A rede de Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco criada nos centros de saúde e nos hospitais do SNS sinalizou
e acompanhou em 10 anos perto de 65 mil crianças e jovens em risco ou
vítimas de maus tratos. A negligência e os maus tratos psicológicos são os
comportamentos mais comuns. Esta rede funciona de forma articulada com as
escolas e as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Não sendo ainda conhecidos os dados
relativos a 2018 recordemos o Relatório de Avaliação da Actividade das
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens relativo a 2017.
As CPCJ acompanharam 69 967
crianças e jovens, menos 1049 que em 2016. Deste universo 837 crianças ou jovens
têm algum tipo de deficiência ou incapacidade.
Duas notas para registar a
elevada percentagem de famílias monoparentais, 35%, e de famílias reconstituídas,
12% e para a continuação do aumento da percentagem de agregados familiares com
escolaridade ao nível de bacharelato ou ensino superior, 8% dos casos
acompanhados em 2017.
Este conjunto de dados mostra
como circunstâncias e estilos de vida de risco para as crianças e adolescentes
nem sempre são atenuados pela formação escolar. Aliás, os dados de múltiplos
estudos sobre a forma como estudantes universitários percebem a violência nas
relações amorosas indicia o que poderemos encontrar e em futuros agregados familiares.
A tipologia das situações
acompanhadas tem a distribuição que se tem verificado nos últimos anos cuja
categorização foi alterada face ao relatório de 2016 envolveu Negligência,
40,8%, Comportamentos de perigo na infância e juventude, 18,3%, Situações de
perigo que colocam em causa o direito à educação, 17,3%, Exposição à violência
doméstica,12,5%.
Deve ainda considerar-se que nem
todos os casos chegam às Comissões de Protecção ou aos Núcleos de Apoio a
Crianças e Jovens em Risco o que torna o cenário ainda mais preocupante sendo
que na sua esmagadora maioria são sinalizados por autoridades policiais e
escolas.
Embora não possa ser estabelecida
de forma ligeira nenhuma relação de causa efeito, as dificuldades severas que
muitas famílias têm atravessado e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias
a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois
os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais
vulneráveis.
De há muito, a propósito de
várias questões, afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários
dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação
no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “superior interesse da
criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura
sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos que regularmente
se conhecem evidenciam.
Por outro lado, as condições de
funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer
um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais eficazes e operam em
circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm
responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que
transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em
tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e
qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos
profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou
não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois
de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa
particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o
que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e
referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou
resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante
registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos
miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à
ausência de respostas.
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