quarta-feira, 24 de abril de 2019

DAS CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO


A rede de Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco criada nos centros de saúde e nos hospitais do SNS sinalizou e acompanhou em 10 anos perto de 65 mil crianças e jovens em risco ou vítimas de maus tratos. A negligência e os maus tratos psicológicos são os comportamentos mais comuns. Esta rede funciona de forma articulada com as escolas e as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Não sendo ainda conhecidos os dados relativos a 2018 recordemos o Relatório de Avaliação da Actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens relativo a 2017.
As CPCJ acompanharam 69 967 crianças e jovens, menos 1049 que em 2016. Deste universo 837 crianças ou jovens têm algum tipo de deficiência ou incapacidade.
Duas notas para registar a elevada percentagem de famílias monoparentais, 35%, e de famílias reconstituídas, 12% e para a continuação do aumento da percentagem de agregados familiares com escolaridade ao nível de bacharelato ou ensino superior, 8% dos casos acompanhados em 2017.
Este conjunto de dados mostra como circunstâncias e estilos de vida de risco para as crianças e adolescentes nem sempre são atenuados pela formação escolar. Aliás, os dados de múltiplos estudos sobre a forma como estudantes universitários percebem a violência nas relações amorosas indicia o que poderemos encontrar e em futuros agregados familiares.
A tipologia das situações acompanhadas tem a distribuição que se tem verificado nos últimos anos cuja categorização foi alterada face ao relatório de 2016 envolveu Negligência, 40,8%, Comportamentos de perigo na infância e juventude, 18,3%, Situações de perigo que colocam em causa o direito à educação, 17,3%, Exposição à violência doméstica,12,5%.
Deve ainda considerar-se que nem todos os casos chegam às Comissões de Protecção ou aos Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco o que torna o cenário ainda mais preocupante sendo que na sua esmagadora maioria são sinalizados por autoridades policiais e escolas.
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma relação de causa efeito, as dificuldades severas que muitas famílias têm atravessado e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
De há muito, a propósito de várias questões, afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos que regularmente se conhecem evidenciam.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

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