Citando o documento, “Estas
Orientações construídas num diálogo intenso e construtivo com a Ordem dos
Psicólogos Portugueses visam apoiar os psicólogos nas suas actividades,
sobretudo tendo em conta a produção de nova legislação sobre inclusão e
currículo e o desenvolvimento de várias medidas de apoio ao desenvolvimento de
um sentimento de pertença em cada aluno: apoio tutorial específico, programas
integrados municipais sinalização precoce de dificuldades, reforço da educação
estética e artística, entre tantas outras medidas que visam a geração de um
sentimento de bem-estar junto dos alunos”.
Ainda segundo as orientações as
Finalidades situam-se no âmbito da Educação, Saúde e bem-estar, Emprego e
Equidade Social.
Uma primeira nota de perplexidade,
tanto maior quanto o documento foi produzido em colaboração com a Ordem dos
Psicólogos, o que é Psicologia Educativa. A OPP tem como especialidade reconhecida
neste âmbito “Psicologia da Educação” e entre as especialidades avançadas
também reconhecidas pela OPP não consta Psicologia Educativa. Aliás, em termos
nacionais e internacionais a designação Psicologia da Educação ou Psicologia
Educacional são as mais consensualmente aceites. Não percebo a opção embora
tenha algumas ideias que não cabem nesta reflexão.
Quanto ao conteúdo das
Orientações julgo tratar-se um documento interessante, com um papel regulador
do trabalho dos psicólogos e das expectativas existentes na comunidade e que
muitas vezes são desajustadas. O documento também se enquadra no Referencial Técnico
para os Psicólogos Escolares (outra vez uma problema de designação de que a DGE
não se livra) e enquanto regulador contribui para minimizar a “balcanização” das
práticas em que cada técnico reproduz a sua visão o os modelos que formaram que
sendo diferente, o que só por si não constitui um problema , também dificulta a
construção de uma “cultura” de pertença e desempenho profissional nos
psicólogos que integram o sistema educativo.
No entanto, o grande problema é
que definir Orientações para as actividades dos psicólogos pressupõe que … existam
psicólogos. Como é óbvio existem mas longe de estarem de acordo com as
necessidades.
De facto, a presença dos psicólogos em contextos
educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a
tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão e insuficiência no
sentido da sua concretização.
Recordo que no final do ano
passado no V Seminário de Psicologia e Orientação em Contexto Escolar o
Secretário de Estado da Educação, João Costa, reafirmou a “indispensabilidade
de ter psicólogos nas escolas" sublinhando o seu contributo essencial para
o sucesso académico e bem-estar dos alunos. Já este ano e também no documento
que justifica estas notas se volata a sublinhar a sua importância.
Recorrentemente, o ME considera
prioritário promover o alargamento do número de técnicos e a estabilidade da
sua presença nas comunidades educativas. De facto não é um discurso novo,
é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui
escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em
psicologia da educação.
O ME tem definido o objectivo de
atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo
para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos
Psicólogos Portugueses que presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo
público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que a maioria destes
técnicos é contratada anualmente e, frequentemente, com atrasos no início de
cada ano com consequências negativas.
Também segundo dados da OPP, no
ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará
que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Conheço situações em que existe
um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com
mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie
de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que
não serve adequadamente os destinatários como, evidentemente, compromete os
próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas
onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a
prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a
duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado
científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o
técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado.
No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Nos últimos tempos e como já
referi, o ME tem permitido que as escolas contratem a empresas psicólogos para prestação
de serviços educativos aos seus alunos. Estes serviços envolvem o trabalho de
psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham
funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
O quadro orientador da
intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um
documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é
inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e
actividades previstas.
Não quero, nem devo, discutir
aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da
intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho
referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma
sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional
desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou
problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas
múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com
professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de
“outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é
ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais
envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos
mercados.
Como é que se pode esperar que
alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos
e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho
consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da
escola?
Das duas uma, ou se entende que
os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da
psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades
de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas
providenciando contributos específicos para os processos educativos e,
portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente
necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os
psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são
necessários.
Este último entendimento
contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países
aconselha e o discurso que o ME subscreve. Aliás, de acordo com Cor Meijer,
director da Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades
Especiais, afirmou no encontro que referi, “Os psicólogos escolares são
essenciais para a educação inclusiva".
A situação existente parece-me,
no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e
ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos
possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar
uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os
conteúdos, regulação e modelos de intervenção são de outro espaço e
oportunidade.
Estando já perto do final da
carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre
atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de
forma suficiente e estável.