segunda-feira, 28 de outubro de 2013

OS MIÚDOS DO AVESSO

Uma das questões que com alguma frequência me dá que pensar é a constatação de que, com excepções evidentemente, boa parte dos discursos que produzimos sobre crianças e adolescentes é muitas vezes formulada pela negativa, ou seja,  refere-se quase sempre a dificuldades ou características percebidas com negativas e menos vezes com conteúdos positivos.
Este comportamento observa-se tanto em pais como em professores, sobrevalorizamos o que nos parece de menos bom e não referimos como seria desejável o que de positivo observamos nos mais novos.
É verdade que entre adultos tendemos a funcionar da mesma forma, recordo o enunciado de Marguerite Yourcenar no imperdível Memórias de Adriano, "O nosso grande erro é querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele não tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui." Dito de outra maneira, o nosso olhar direcciona-se sobretudo para o que de menos bom aos nossos olhos os outros parecem ter, olhamos para o seu avesso e não para o seu direito, por assim dizer.
Voltando às crianças, adolescentes e jovens, isto traduz-se no recurso a uma adjectivação e apreciação muitas vezes negativas sobre eles, "não sabem", "não se interessam", são "distraídos" ou desatentos, "desajeitados", "teimosos", "mal educados", "mal comportados", "ignorantes", etc.
Como é evidente, esta minha conversa não significa um entendimento idealizado e ingénuo sobre os mais novos, apenas significa que, como toda a gente, têm direito e avesso, a minha questão é porque tendemos a ver apenas o avesso.
Tenho ainda a convicção de que qualquer de nós, pequeno ou grande, só aprende a partir do que sabe, só é mais pessoa a partir da pessoa que já é, só cresce a partir do que já cresceu, só faz mais e melhor a partir do que já fez e não a partir do que não aprendeu, sabe, não é ou não faz.
Conversa de velho, já se vê.

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