Nos últimos tempos e associada a questões de saúde pública, sobretudo o elevadíssimo número de casos de Covid19 detectados na zona de Odemira, emergiu um ruidoso, e eu diria que de certa forma hipócrita, alarido relativo a uma situação que é de há alguns anos conhecida no Alentejo e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, a situação de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e mais recentemente de países asiáticos.
A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de
agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve
também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros
de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não
existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis
assobiam para o lado e agora parecem virgens ofendidas face a algo que toda
gente conhecia.
Têm sido cada vez são mais frequentes as referências situações
inaceitáveis de exploração e maus-tratos como hoje são notícia a que a pandemia
veio dar ainda maior expressão ainda que existam em matéria de contratação e
protecção algumas boas práticas.
Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante,
tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades
actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.
A este tipo de exploração parece algo “fora do tempo” e de
impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe
e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais
vulneráveis.
Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades,
um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da
vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a
imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que
promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes
assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as
notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas
espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para
países do primeiro mundo europeu, como o Holanda, Bélgica ou Reino Unido.
Estes tempos, marcados por competição, diminuição de
direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido
a um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral e pode alimentar,
sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais
"leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos
envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua
própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas
dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de
"consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e
negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama
tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem,
não se querem ver.
Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos,
não têm voz.
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