terça-feira, 25 de maio de 2021

CRIANÇAS DESAPARECIDAS, ALGUMAS ESTÃO À VISTA

 

O calendário das consciências determina que o dia 25 de Maio seja o Dia Internacional das Criança Desaparecidas. Umas notas a acrescentar às discretas referências divulgadas.

Ao que parece e felizmente estão a registar-se em Portugal menos casos de crianças e adolescentes desaparecidos.

Em 2020 e de acordo com a Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas estiveram desaparecidas cerca de 500 crianças, bem menos que número verificado em 2019. Uma das explicações terá a ver com os períodos de confinamento com as crianças e adolescentes a ficarem em casa, bem como as restrições às saídas nas casas de acolhimento de crianças e jovens.

No entanto, e em termos mais globais a tragédia que envolve o desaparecimento de crianças no âmbito da crise dos refugiados assume proporções alarmantes e que são uma acusação fortíssima à mediocridade das lideranças mundiais.

A maioria das situações de desaparecimento de crianças em Portugal tem um final positivo, o desaparecimento é temporário e uma reacção a incidentes pessoais ou a resultados escolares. 

De há uns anos para cá tem sido feito um esforço nacional e internacional no sentido de aumentar a eficácia na abordagem a situações desta natureza bem como dedicar maior atenção aos factores de risco de que a título de exemplo se citam as redes sociais, que não podendo, obviamente, ser diabolizadas, apresentam alguns riscos que não devem ser negligenciados.

Merece ainda registo o aumento significativo de crianças desaparecidas através do rapto parental em contexto de separações familiares com algo grau de litígio e que, evidentemente, implicam enorme sofrimento para todos os envolvidos, em particular para os mais vulneráveis, as crianças.

Situações trágicas como as do Rui Pedro ou da Maddie McCann, crianças desaparecidas que nunca foram encontradas, são absolutamente devastadoras numa família. Nós, pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a tragédia da morte, mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que, tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e afectivo na vida familiar, a situação é de uma violência inimaginável.

No entanto, sem minimizar a carga dramática do desaparecimento, creio que é também muito importante não esquecer a existência de muitas crianças que estão desaparecidas, mas que, por estranho que possa parecer, estão à vista. São situações com contornos menos trágicos e óbvios que por desatenção passam mais despercebidas.

Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à beira de pais e professores, de nós, e passam completamente despercebidas, são as que designo por crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. As razões são muitas e as mais vulneráveis tornam-se mais transparentes. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. A pandemia criou situações de maior vulnerabilidade. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.

Nos tempos que vivemos o risco da existência de crianças desaparecidas que estão à vista é real  e em boa parte das situações e por diferentes razões por estes ninguém procura.

E alguns, por vezes, também se perdem de vez.

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