O calendário das consciências determina que o dia 25 de Maio
seja o Dia Internacional das Criança Desaparecidas. Umas notas a acrescentar às
discretas referências divulgadas.
Ao que parece e felizmente estão a registar-se em Portugal
menos casos de crianças e adolescentes desaparecidos.
Em 2020 e de acordo com a Associação Portuguesa de Crianças
Desaparecidas estiveram desaparecidas cerca de 500 crianças, bem menos que
número verificado em 2019. Uma das explicações terá a ver com os períodos de
confinamento com as crianças e adolescentes a ficarem em casa, bem como as
restrições às saídas nas casas de acolhimento de crianças e jovens.
No entanto, e em termos mais globais a tragédia que envolve
o desaparecimento de crianças no âmbito da crise dos refugiados assume
proporções alarmantes e que são uma acusação fortíssima à mediocridade das
lideranças mundiais.
A maioria das situações de desaparecimento de crianças em
Portugal tem um final positivo, o desaparecimento é temporário e uma reacção a
incidentes pessoais ou a resultados escolares.
De há uns anos para cá tem sido feito um esforço nacional e
internacional no sentido de aumentar a eficácia na abordagem a situações desta
natureza bem como dedicar maior atenção aos factores de risco de que a título de
exemplo se citam as redes sociais, que não podendo, obviamente, ser
diabolizadas, apresentam alguns riscos que não devem ser negligenciados.
Merece ainda registo o aumento significativo de crianças
desaparecidas através do rapto parental em contexto de separações familiares
com algo grau de litígio e que, evidentemente, implicam enorme sofrimento para
todos os envolvidos, em particular para os mais vulneráveis, as crianças.
Situações trágicas como as do Rui Pedro ou da Maddie McCann,
crianças desaparecidas que nunca foram encontradas, são absolutamente
devastadoras numa família. Nós, pais, não estamos "programados" para
sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este
cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a
tragédia da morte, mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um
processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que,
tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e
afectivo na vida familiar, a situação é de uma violência inimaginável.
No entanto, sem minimizar a carga dramática do
desaparecimento, creio que é também muito importante não esquecer a existência
de muitas crianças que estão desaparecidas, mas que, por estranho que possa
parecer, estão à vista. São situações com contornos menos trágicos e óbvios que
por desatenção passam mais despercebidas.
Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem
à beira de pais e professores, de nós, e passam completamente despercebidas,
são as que designo por crianças transparentes, olhamos para elas, através
delas, como se não existissem. As razões são muitas e as mais vulneráveis
tornam-se mais transparentes. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. A pandemia
criou situações de maior vulnerabilidade. Algumas delas não possuem ferramentas
interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa
vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros
companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça
companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.
Nos tempos que vivemos o risco da existência de crianças
desaparecidas que estão à vista é real e
em boa parte das situações e por diferentes razões por estes ninguém procura.
E alguns, por vezes, também se perdem de vez.
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