segunda-feira, 31 de maio de 2021

O HOMEM QUE PERDEU A COMPANHEIRA

 Com mais frequência do que desejaria lembro-me desta história.

Era uma vez um Homem que estava sentado num banco de jardim. Já não era novo e parecia com um ar triste e abatido. Era o único banco à sombra e nele se sentou uma Pessoa que se foi inquietando com a tristeza suspirada pelo Homem. Já preocupado interpelou-o com um neutro, “Que tal vai a vida?”.

O Homem, como se apenas esperasse por um pretexto, falou, do fundo, “Perdi-a, tantas vezes que esteve quase, agora perdi-a. Tanto que me ajudou, sempre comigo, no bonito e no feio, no leve e no pesado, na tristeza e na alegria e agora perdi-a. Veio comigo desde sempre, sempre ao meu lado, sempre um amparo que não falhava. Quando as coisas pareciam mal, lá vinha ela e o mundo já me parecia melhor. Uma vez, que ela quase se foi, foi um desespero. Mas ela voltou. Tínhamos as nossas zangas, mas sabe como é, quando somos mesmo amigos as zangas também passam. E agora, perdi-a definitivamente. Não sei como vou viver sem ela”.

A Pessoa já solidária, “E como se chamava a sua companheira perdida?”.

Paciência, disse o Homem.

domingo, 30 de maio de 2021

O DEDO DO MEIO

 

Tem sido um fim-de-semana quente por aqui no Monte. Chegaram os primeiros dias de calor ao Alentejo e também estiveram os netos e pais.

Ontem de manhã o Valter disse ao Simão e ao Tomás que quando voltasse à tarde lhes trazia uma surpresa. O Simão respondeu que devia ser um borrego. E era.

À noite, na janta, lembrei-me do episódio e perguntei ao Simão se ele tinha adivinhado com o dedo mindinho que o Valter trazia um borrego para eles brincarem.

Com um ar sério, o Simão explicou que ele não adivinha com o dedo mindinho, é com o dedo  do meio.

Antes que eu perguntasse porquê ele esclareceu, “É que o dedo do meio, como está no meio, tem dois dedos de cada lado que lhe dão dicas, adivinha mais”.

Não tem dúvidas. Nem eu.

De modo que, se por acaso virem o Simão, nos seus sete anos, com o dedo do meio em riste … está só a tentar adivinhar alguma coisa.

São também assim os dias do Alentejo e da magia da avozice.

sábado, 29 de maio de 2021

A LER, "NÃO OS OBRIGUEM A SER MAIS DO QUE JÁ SÃO"

 

Merece leitura o texto de João Ruivo no Ensino Magazine, “Não os obriguem a ser mais do que já são”. Um olhar lúcido sobre a escola e os professores.

Na verdade, a escola, através do esforço empenhado e competente da generalidade dos professores, é uma ferramenta imprescindível ao desenvolvimento das comunidades sustentado pela qualificação global dos cidadãos.

No entanto, a escola não é a solução mágica para as assimetrias e iniquidades das sociedades, mesmo das mais desenvolvidas.

Exigir ou cobrar isto à escola é, por um lado, arriscado e inútil. Está para além da sua função real e é incompatível com os seus recursos.

Por outro lado, é um mau serviço prestado à escola. Ao exigir o que a escola não pode providenciar define um injusto cenário de fracasso e transforma a escola no problema.

É importante que tenhamos um entendimento claro da escola, já que os tempos são tudo menos claros.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

TAXA DE ABANDONO ESCOLAR PRECOCE REVISTA EM BAIXA

 

O Ministro da Educação divulgou ontem no Parlamento que a taxa de abandono escolar precoce verificada no primeiro trimestre deste ano é de 6,5%. Esta taxa é um indicador relativo à percentagem de jovens com mais de 18 anos que chega ao mercado de trabalho sem completar o ensino secundário e não está a cumprir um programa de formação.

Vamos aguardar pelos dados finais do ano que o INE apurará mês para confirmar a continuidade do abaixamento da taxa de abandono escolar precoce, mas é uma boa notícia, em 2020 a taxa foi de 8,9% o que permitiu cumprir a meta comprometida com a UE, 10% em 2020.

Uma primeira nota para realçar o trabalho de alunos, professores, escolas e famílias.

Quando foram conhecidos os dados de 2020 o ME associou a evolução positiva ao sucesso das escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), ao Programa de Promoção do Sucesso Escolar, ao Apoio Tutorial Específico, à aposta no Ensino Profissional, e Autonomia e Flexibilidade Curricular e, obviamente, à revolução na educação inclusiva.

A segunda nota para relembrar o caderno de encargos que ainda continuamos a ter pela frente, continuar a combater o abandono e a exclusão, quase sempre a primeira etapa da exclusão social, promover a qualificação, um bem de primeira necessidade e combater as desigualdades criando efectivos dispositivos de mobilidade social em que a escola faz a diferença e pode ajudar a contrariar o destino.

Aliás, a recente divulgação dos rankings escolares construídos com base nos dados de escolas e agrupamentos veio evidenciar isso mesmo.

Só assim se promove a construção de projectos de vida viáveis, que proporcionem realização pessoal e base do desenvolvimento das comunidades.

Neste caminho temos duas vias que se complementam e de igual importância, a prevenção do insucesso que leva ao abandono e a recuperação para trajectos de formação e qualificação da população que, entretanto, já abandonou.

Esperemos que a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes às dificuldades de alunos e professores na generalidade das comunidades educativas seja uma opção clara pois é uma ferramenta imprescindível à minimização do insucesso.

No que respeita à recuperação dos jovens que já abandonaram espero que a oferta de trajectos diferenciados de formação e qualificação ou iniciativas em desenvolvimento como o programa Qualifica, sucessor do Novas Oportunidades, ou os anunciados no âmbito do ensino superior tenha os meios necessários e se resista à tentação do trabalho para a “estatística”, confundindo certificar com qualificar.

Apesar dos indicadores de progresso é necessário insistir, merecemos e precisamos de mais e melhor sucesso e qualificação e menos abandono e exclusão.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

DA VIOLÊNCIA EM CONTEXTO ESCOLAR

 

Num qualquer ecrã perto de si está a passar o filme “O rapaz atropelado ao fugir de agressões e insultos de colegas da escola”. 

Como também é habitual, os filmes desta natureza têm uma projecção que, lamentavelmente, a problemática envolvida não tem para evitar que a rodagem dos filmes se mantenha.

Na verdade, são recorrentes os episódios de violência escolar, também na configuração “bullying”, o que sustenta a necessidade de uma atenção urgente, aprofundada e com consequências ao nível da acção relativamente a episódios de agressão nos contextos escolares, física ou de outra natureza, envolvendo alunos, docentes, técnicos e auxiliares e, algumas vezes, com a participação de pais ou encarregados de educação.

O volume de episódios é dificilmente avaliável pois apesar do número de registos parecer diminuir sabe-se que por diferentes razões boa parte dos casos não é reportada.

Como ainda há pouco tempo aqui escrevi tendo consciência do volume de problemas e da sua gravidade, também entendo que as escolas, não são o inferno e para além dos problemas inerentes aos processos e contextos educativos actuais a escola é segura para a generalidade dos que diariamente aí convivem. Quando os meus netos vão para a sua escola preciso de acreditar que, apesar dos riscos, … vai correr bem.

Parece-me também claro que os tempos são de natureza crispada nas relações, pouco regulados na convivialidade e contaminados por intolerância(s), com focos preocupantes de conflitualidade, caso da violência doméstica, por exemplo. É reconhecido que a escola, sobretudo a escola pública, espelha em diferentes dimensões os contextos em que se inscreve.

No entanto, também sabemos que só a educação, só processos educativos de qualidade, escolares e familiares, promovem o desenvolvimento de competências e saberes escolares e profissionais, mas também a formação pessoal considerando valores, atitudes e comportamentos.

Neste sentido, a defesa intransigente de políticas públicas de educação com qualidade e assentes na defesa da escola pública é indispensável. Sem hierarquizar ou esgotar questões umas notas alguns aspectos que julgo essenciais e de que aqui vou falando algumas notas.

Importa valorizar profissionalmente e socialmente os professores e a sua acção. Isto não se promove com retórica nem por decreto, mas através de discursos positivos em torno do estatuto social dos docentes, de não “desprofissionalizar” os docentes, de valorizar carreiras e condições de exercício, de desenhar dispositivos de apoio e colaboração a e entre docentes.

Promoção de competência e regulação das direcções de agrupamentos e escolas. Lideranças competentes promovem modelos partilhados de liderança. Lideranças partilhadas e competentes sustentam climas institucionais mais positivos mais regulados com impacto nas relações e comportamentos de todos os actores, incluindo pais e encarregados de educação.

Importa que as escolas tenham recursos e apoios para programas de mediação e tutoria com condições de sucesso. Sem entrar numa lógica de corporativismo profissional, creio que o papel dos psicólogos de educação podem dar um contributo sério, mas o seu número nas escolas e agrupamentos e rácio excessivo verificado inibem uma melhor intervenção e participação.

Estes modelos de trabalho desde que dotados dos recursos necessários são ferramentas comprovadas de promoção do desempenho escolar e do comportamento socialmente adequado.

Sabemos que a autoridade dos professores, mas também do pessoal não docente, não se estabelece por decreto, mas promove-se no apoio que lhes é prestado, na insistente valorização do seu trabalho, na recusa da impunidade e ligeireza ou mesmo no anonimato a que muitos episódios são votados. A autoridade reconhecida a professores, técnicos e funcionários é reguladora do comportamento que lhes é dirigido, mas também do comportamento desenvolvido genericamente.

Importa que os auxiliares de educação estejam nos espaços escolares em número suficiente, que sejam valorizados e apoiados com formação para um trabalho muito importante na promoção de comportamentos adequados nos contextos escolares.

Que as escolas e agrupamentos possam integrar projectos de natureza comunitária que valorizem a acção e o papel da escola, dos professores e importância futura do trabalho desenvolvido por todos. Esta é uma dimensão em que as autarquias e outras estruturas poderão ter uma acção importante.

Como é evidente trata-se de uma matéria complexa com implicações que envolvendo a escola está para além da escola.

No entanto, repetindo ou mudamos e melhoramos pela educação ou … dificilmente lá chegaremos. Ao futuro de gente de bem.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

A POEIRA ESTÁ A ASSENTAR. E AGORA?

 

Com o passar dos dias após a sua publicação vão esmorecendo as referências aos rankings escolares nas várias formulações dependentes da autoria.

Não é importante este abaixamento de atenção, já cumpriram a sua função, pouco relevante, aliás.

O que fica, e isso sim, é verdadeiramente necessário, é a análise numa perspectiva de desenvolvimento aos dados disponibilizados pelo ME relativos a cada escola e agrupamento. Esta análise constitui-se como ferramenta imprescindível a que, talvez seja pedir muito, as políticas públicas em matéria de educação tenham um cada vez mais robusto impacto positivo no trabalho das escolas e na sua autonomia, na qualidade e suficiência dos recursos necessários, nos dispositivos de regulação que permitam o ajustamento contínuo, na desburocratização do trabalho, nos dispositivos de apoio a alunos e professores, etc.

Este será o caminho para responder às necessidades e diversidade dos alunos e dos contextos e levar a que um dia, se se mantiver a construção de rankings, tenhamos um retrato diferente.

Não é impossível ainda que não seja fácil, nem rápido. O trabalho de muitas escolas também nos diz isto, os rankings não.

terça-feira, 25 de maio de 2021

CRIANÇAS DESAPARECIDAS, ALGUMAS ESTÃO À VISTA

 

O calendário das consciências determina que o dia 25 de Maio seja o Dia Internacional das Criança Desaparecidas. Umas notas a acrescentar às discretas referências divulgadas.

Ao que parece e felizmente estão a registar-se em Portugal menos casos de crianças e adolescentes desaparecidos.

Em 2020 e de acordo com a Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas estiveram desaparecidas cerca de 500 crianças, bem menos que número verificado em 2019. Uma das explicações terá a ver com os períodos de confinamento com as crianças e adolescentes a ficarem em casa, bem como as restrições às saídas nas casas de acolhimento de crianças e jovens.

No entanto, e em termos mais globais a tragédia que envolve o desaparecimento de crianças no âmbito da crise dos refugiados assume proporções alarmantes e que são uma acusação fortíssima à mediocridade das lideranças mundiais.

A maioria das situações de desaparecimento de crianças em Portugal tem um final positivo, o desaparecimento é temporário e uma reacção a incidentes pessoais ou a resultados escolares. 

De há uns anos para cá tem sido feito um esforço nacional e internacional no sentido de aumentar a eficácia na abordagem a situações desta natureza bem como dedicar maior atenção aos factores de risco de que a título de exemplo se citam as redes sociais, que não podendo, obviamente, ser diabolizadas, apresentam alguns riscos que não devem ser negligenciados.

Merece ainda registo o aumento significativo de crianças desaparecidas através do rapto parental em contexto de separações familiares com algo grau de litígio e que, evidentemente, implicam enorme sofrimento para todos os envolvidos, em particular para os mais vulneráveis, as crianças.

Situações trágicas como as do Rui Pedro ou da Maddie McCann, crianças desaparecidas que nunca foram encontradas, são absolutamente devastadoras numa família. Nós, pais, não estamos "programados" para sobreviver aos nossos filhos, é quase "contra-natura". Se a este cenário acresce a ausência física de um corpo que, por um lado, testemunhe a tragédia da morte, mas, simultaneamente, permita o desenvolvimento de um processo de luto, a elaboração da perda como referem os especialistas, que, tanto quanto possível, sustente alguma reparação e equilíbrio psicológico e afectivo na vida familiar, a situação é de uma violência inimaginável.

No entanto, sem minimizar a carga dramática do desaparecimento, creio que é também muito importante não esquecer a existência de muitas crianças que estão desaparecidas, mas que, por estranho que possa parecer, estão à vista. São situações com contornos menos trágicos e óbvios que por desatenção passam mais despercebidas.

Na verdade, existem muitíssimas crianças e jovens que vivem à beira de pais e professores, de nós, e passam completamente despercebidas, são as que designo por crianças transparentes, olhamos para elas, através delas, como se não existissem. As razões são muitas e as mais vulneráveis tornam-se mais transparentes. Não estando desaparecidas, estão abandonadas. A pandemia criou situações de maior vulnerabilidade. Algumas delas não possuem ferramentas interiores para lidar com tal abandono e desaparecem, mantendo-se à nossa vista, no primeiro buraco que a vida lhes proporcionar, um ecrã, outros companheiros tão abandonados quanto eles, o consumo de algo que lhes faça companhia ou a adrenalina de quem nada tem para perder.

Nos tempos que vivemos o risco da existência de crianças desaparecidas que estão à vista é real  e em boa parte das situações e por diferentes razões por estes ninguém procura.

E alguns, por vezes, também se perdem de vez.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

O MIÚDO QUE TINHA MEDO DE CRESCER

 

Era uma vez um miúdo, o Manel, que gostava muito de brincar. Tinha sete anos, já andava na escola e sentia-se um bocadinho zangado pois achava que tinha pouco tempo para brincar. Estava de manhã até à noite a fazer coisas na escola, coisas que não eram de brincar, chamavam-lhe actividades. Não percebeu bem porquê, mas os adultos foram deixando de brincar com ele. 

O pai dizia, “Estás a crescer, tens de fazer os trabalhos”. A mãe dizia, “Prepara-te, quando fores grande a vida é a sério”. A professora dizia, “Não podes brincar, assim não progrides”. E toda a gente achava que ele não podia brincar porque “tinha que se preparar para a vida”. Bom, toda a gente não, o avô do Manel, que ele só via nas férias e no Natal, ainda brincava com ele e contava-lhe histórias de rir.

De mansinho o Manel começou a assustar-se com a ideia de crescer e já não brincar e tomou uma decisão, não iria crescer mais.

E, assim, continuou a fazer sempre o que os pequenos fazem, a falar o que os pequenos falam e até parecia que pensava o que os pequenos pensam. Ficou um menino estranho e triste. Toda a gente preocupada e sem entender. Uma vez, de visita ao avô puseram-se os dois a olhar para os bonecos e carros de cana que construíam nas férias.

O avô falou, “Manel, toma bem conta destes bonecos e destes carros. Quando cresceres vais ensinar os miúdos pequenos a brincar com eles e a fazer outros”. O Manel estranhou e perguntou, “Mas quando crescer, ainda posso brincar e fazer brinquedos?”. Disse o avô, “Claro, é mesmo uma das coisas mais importantes que tens para fazer quando fores grande”.

O Manel perdeu naquele minuto o medo de crescer.

domingo, 23 de maio de 2021

POR ONDE ANDA O JUÍZO DE ALGUNS JUÍZES?

 

É impossível conhecer sem um sobressalto algumas decisões de juízes que fazem questionar por onde andará o seu juízo. Já são muitas as decisões que nos parecem ofender os valores, a ética e a cidadania. Agora no Tribunal de Paredes. 

Um cidadão é apanhado pela GNR a arrastar na rua uma mulher, sua companheira, pelo pescoço.

Não era o primeiro episódio de violência em que estava envolvido. No âmbito da intervenção da GNR, o indivíduo procedeu a ofensas e ameaças aos militares.

A senhora juíza Isabel Pereira Neto, apesar de dar a agressão como provada, entendeu por bem absolver o cidadão pois o episódio não teve “crueldade, insensibilidade e desprezo” para que constituísse um crime de violência doméstica. De acordo com a sentença divulgada no JN, entendeu-se “que a conduta do arguido não integra o conceito de maus-tratos previsto no artigo 152.º do Código Penal” o que manifestamente não é verdade.

Também não foi absolvido de um crime de ofensa à integridade física pois sendo um crime semipúblico, ao contrário da violência doméstica, implica queixa da agredida o que não aconteceu.

Para tudo estar coerente foi também absolvido do comportamento de ameaças aos militares da GNR.

É absolutamente extraordinário.

Por onde anda o juízo de alguns juízes? São já muitos os casos desta natureza,

Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça.

Atravessamos, aliás, mais um período em que a justiça ou percepção de justiça por parte dos cidadãos está na agenda.

Como podemos lidar com esta forma de administrar a justiça e quais as consequências que poderá ter?

sábado, 22 de maio de 2021

RANKINGS ESCOLARES, UM PRODUTO SAZONAL

 

Bom, aí está o produto sazonal que dá pelo nome de “rankings escolares” nas suas diferentes declinações e leituras dos dados disponibilizados e bem pelo ME. Agora, relativos a 2019/2020, um ano verdadeiramente atípico e que inibe algumas comparações.

Apesar de continuar com dificuldade em defender a sua bondade, bem longe de o fazer, não tenho uma atitude fundamentalista face à sua construção. Sublinho, sobretudo, a evolução que se tem verificado nos últimos anos, quer na disponibilização de informação por parte do ME para além dos “meros” resultados da avaliação externa, quer na forma como essa informação é tratada e divulgada por diferentes entidades. Se me parece muito importante a análise dos dados providenciados pelo ME, já me parece irrelevante a construção de listas classificativas de escola. Registo positivamente, aliás, a posição do Ministro, numa das suas raras intervenções que percebi e concordo.

Continuo também a sentir-me incomodado com as estratégias de marketing dos negócios da educação a propósito da divulgação dos rankings.

A mais frequente defesa da sua construção assenta na importância da avaliação externa. No entanto, é evidente que a imprescindível avaliação externa não tem que, necessariamente, obrigar à construção dos rankings que, aliás, alguns países não realizam. Curiosamente, em Singapura terá sido decidido em 2018 abolir a construção e divulgação de rankings escolares com base nos resultados em exames bem como não divulgar outras informações de natureza comparativa sobre o desempenho escolar dos alunos.

A decisão, de acordo como o Ministro da Educação, Ong Ye Kung, assenta no princípio a promover junto dos alunos e famílias que “aprender não é uma competição”. Aliás, é interessante considerar toda a argumentação e sustentação da medida. A decisão é ainda mais surpreendente considerando a posição cimeira habitualmente ocupada por Singapura nos estudos comparativos internacionais e na sua habitual defesa destes dispositivos.

Mas de facto, existindo e apesar das mudanças que se têm verificado que mostram, ou não, os rankings?

Dificilmente mostrarão algo de substantivamente diferente como é que claro.

Mostram que genericamente as escolas privadas apresentam melhores resultados e que também existem escolas privadas com resultados mais baixos.

Mostram que a maioria das escolas que maior discrepância apresenta entre a avaliação externa e a avaliação interna, sendo esta "inflacionada", são privadas sendo algumas persistentes na tarefa. Aliás, por coincidência certamente, foi também divulgada a aplicação de 64 processos de sanção a direcções de escolas, públicas e privadas. são também de registar as notas da disciplina de Educação Física no secundário, um em cada quatro alunos teve nota superior a 18, que, a corresponder a reais competências dos alunos, transformaria Portugal num estudo de caso e numa incubadora de atletas.

Ao contrário, mostram das que se revelam mais exigentes a maioria é do ensino público.

Mostram que existem escolas públicas com bons resultados e escolas públicas com resultados menos bons.

Mostram que existem escolas que face ao contexto sociodemográfico que servem conseguem bons resultados ou, pelo menos, progresso no trajecto dos alunos e que existem escolas públicas que ainda não conseguem contrariar o destino de muitos dos seus alunos.

Mostram que o nível de retenção é elevado e que o recurso à retenção não faz subir os resultados dos alunos.

Mostram que a menor dimensão das turmas pode em escolas em contextos menos favoráveis promover a melhoria de resultados. Curiosamente, na passada semana não avançou uma proposta de redução do número de alunos por turma.

Mostram que a tradição ainda é o que era, pais (mães) mais escolarizados, têm, potencialmente, filhos com melhores resultados.

Mostram que as escolas públicas são as que mais progressos promovem nos alunos.

Mostram que nas escolas com melhores resultados, em regra, são as que têm menos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar.

Mostram que a escola, os professores, fazem a diferença.

Mostram ainda que se continua a falar de “melhores escolas” e “piores escolas”

Mostram que …

Enfim, os rankings mostram tudo, só não mostram o que se fará a seguir com a informação que os rankings mostram. Na verdade, também não mostram o tanto que não se consegue medir, mas se pode avaliar e que é tão essencial como o que se mede.

Três notas finais.

1 - A propósito de rankings - Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy", afirma que uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?" No mesmo sentido e numa entrevista ao Público em 2011, o Professor Biesta afirmava sugestivamente, “Os rankings são muito antiquados e não devem ter lugar numa sociedade civilizada". Aliás, nessa altura assisti a uma sua notável conferência sobre a questão da medida e da avaliação em educação.

2 - Por onde andam nos rankings os alunos com necessidades educativas especiais?  (desculpem o termo não inovador dentro do novo paradigma, mas ainda não me habituei às novas "não categorias" como "adicionais", "selectivas" ou "adicionais").  Provavelmente à espera da operacionalização de um novo indicador-chave da avaliação das escolas, a inclusão de cuja consideração na construção dos rankings não me dei conta.

3 – Continuo com a dúvida expressa por Gil Nata e Tiago Neve do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da U. do Porto que num texto no Público a propósito dos rankings de há dois anos escreviam, “Assim, passados 20 anos, a pergunta impõe-se onde estão as evidências de que a publicação dos rankings tenha contribuído para a melhoria do sistema educativo?

Para o ano cá estaremos a tentar perceber que efeito terá nos rankings o ano atípico que está a terminar.

E voltarei a estas notas. São assim os produtos sazonais.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

UMA CURIOSIDADE

 Para amanhã umas notas sobre a questão dos rankings escolares hoje divulgados com as “surpresas” habituais.

Por agora apenas a referência a uma curiosidade. Em entrevista ao Público a propósito da divulgação dos rankings, o Secretário de Estado adjunto e da Educação, o Professor João Costa, referiu a necessidade de repensar o modelo de recrutamento de professores afirmando que “Nem todos os professores conseguem ser professores (e podem ser excelentes) num determinado território. Outros têm uma vocação imensa para trabalhar com crianças mais desfavorecidas”.

Não tenho grandes dúvidas sobre a necessidade de ajustar vários aspectos relativos aos docentes, valorização de carreiras, repensar a progressão e a avaliação, a organização dos grupos disciplinares, serão eventuais exemplos.

Fiquei mesmo curioso sobre a forma como se considerará, quem considerará, dimensões como “vocação” ou a avaliação da “excelência sem vocação” ou ainda da motivação.

Não fiquei particularmente tranquilo

Como se diz aqui no Alentejo, deiem lá ver. A Secretária de Estado da Educação está a trabalhar no assunto e a seu tempo saberemos.


quinta-feira, 20 de maio de 2021

DO HORROR

 

A fotografia do bebé de três semanas resgatado ainda com vida do mar em Ceuta que nos bateu em cheio nos últimos dias, a fotografia registada em 2019 de Oscar e Valeria, pai e filha com 23 meses, sem vida, num último abraço à beira do Rio Grande, a fronteira entre México e Estados Unidos que queriam passar perseguindo um sonho de vida digna, a fotografia também de 2019 de Yanela Sanchez a chorar na fronteira dos EUA, a fotografia de Omran, 5 anos, em Alepo dentro de uma ambulância em 2016, a fotografia de Aylan, três anos e também sírio, morto numa praia turca em 2015, a fotografia de … deveriam ser motivo para que a gente que manda no mundo não dormisse.

O terror e o horror percebidos nestas fotos são um murro violento num mundo que não soube nem parece interessado em proteger e alimentar um sonho.

Já faltam as palavras para falar do horror e da barbaridade que vão acontecendo e cada vez mais perto de nós. Sei também da inutilidade deste texto, ainda assim aqui fica.

A mediocridade das lideranças actuais da generalidade dos países e entidades que põem e dispõem no xadrez do poder mundial e de tantos outros subservientes e submissos que, em muitos casos, de pessoas não sabe nem quer saber, permite, sem um sobressalto e com palavras que de inócuas são um insulto, que se assista à barbaridade obscena que as imagens, os relatos mostram e o muito que se imagina, mas não se vê.

Crescem muros, morre gente inocente, milhões de vidas destruídas, a barbaridade estende-se, o horror é imenso e, por vezes, nem a retórica da condenação é convincente e muitos menos é eficaz, evidentemente.

A questão é séria, os ventos sempre semeiam tempestades e as tempestades num mundo global não ficam confinadas nos epicentros.

Não existe terror mau e terror bom. Não existe horror mau e horror bom. Não existe terrorismo bom e terrorismo mau, não existe democracia sem direitos humanos.

Como é possível que tal horror aconteça e tanta gente com responsabilidades assobie para o ar e se fique pelas palavras de circunstância?

quarta-feira, 19 de maio de 2021

A PANDEMIA É DEVASTORA. E ANTES? E AGORA?

 No início da semana foi divulgado um trabalho da Human Rights Watch envolvendo estudantes, pais e professores, “Os anos não esperam por eles’: Aumento das desigualdades no direito das crianças à educação devido à pandemia de covid-19”, segundo qual se estima que 90% da população em idade escolar no mundo tiveram a o seu percurso educativo prejudicado pela pandemia, em particular dos períodos de confinamento.

Neste contexto é fortemente recomendado pela Organização que nos diversos planos de recuperação em desenvolvimento nos diferentes países a aposta na educação seja um eixo crítico e com os recursos necessários.

Julgo que ninguém terá dúvidas sobre os efeitos devastadores, mas de impacto desigual que os últimos tempos tiveram nos sistemas educativos. No entanto, parece-me importante não esquecer que a situação pré-pandemia estava longe de ser amigável para muitos milhões de crianças em todo o mundo, independentemente dos níveis de desenvolvimento dos países ainda que, naturalmente, os mais vulneráveis tenham as suas populações também com maiores dificuldades.

Ainda de acordo com a Human Rights Watch com dados da ONU, “Uma em cada cinco crianças estava fora da escola antes mesmo da covid-19”.

Como é óbvio, a pandemia acentuou de forma devastadora o atropelo do direito à educação e ao bem-estar que muitos milhões de crianças já experimentavam e que evidencia a fragilidade das políticas públicas de muitos países em matéria da educação e apoios sociais.

É neste contexto que emerge a minha inquietação. Do meu ponto de vista, a questão central não deve ser definida em torno da recuperação dos efeitos da pandemia nas aprendizagens ou no bem-estar através de planos de recuperação finitos, mas sim, na mudança ao nível das políticas públicas dos diferentes países, incluindo Portugal, que, para além de forma mais imediata “recuperarem aprendizagens”, tenham impacto a prazo através de recursos suficientes e competentes, definição de dispositivos de apoio eficientes e de acordo com as necessidades, apoios sociais que minimizem vulnerabilidades que a escola não suprime, valorização da educação e dos professores, diferenciação e autonomia nas respostas das instituições educativas, etc.

Sintetizando, para além da conjuntura próxima, cuidar dos danos da pandemia, importa considerar o que é estrutural e imprescindível em nome do futuro, a qualidade da educação e uma educação de qualidade para todos.


terça-feira, 18 de maio de 2021

PUTOS SÁBIOS

 

Era uma vez, estavam dois miúdos num parque, um desses sítios que algumas terras ainda têm para os mais pequenos brincarem, quando podem e os deixam, é claro.

Não havia muita gente. Os miúdos, às tantas, rebolavam no chão um bocado engalfinhados.

Passou um médico e pensou que eles talvez se magoassem porque aquelas brincadeiras podem ser perigosas.

Passou um antropólogo e pensou como ainda provavelmente se realizam lutas simbólicas por territórios, apesar das mudanças culturais.

Passou um pai e pensou como era possível que as crianças estivessem ali sozinhas nos dias que correm.

Passou um professor e pensou como seria mais útil que estivessem a ler algo de interessante em vez de se comportarem assim.

Passou um sociólogo e pensou como desde cedo se procura hierarquizar as relações sociais.

Passou um psicólogo e pensou como começa a ser tão frequente o bullying.

Passou um padre e pensou como os padrões morais que regem os comportamentos se alteram e a violência se instala.

Passou outro miúdo e perguntou “Estão a brincar a quê?”. Responderam os outros, “Às lutas, também queres brincar?”, “Quero” disse o que chegou.

E ficaram três miúdos a rebolar-se no chão um bocado engalfinhados. E felizes.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

MAL-ESTAR E SOFRIMENTO

 Desculpem a insistência, mas o sofrimento de muitos milhares de adolescentes e jovens justifica.

O calendário das consciências determina para hoje o Dia Internacional Contra a Homofobia, Bifobia e Transfobia.

A UNESCO divulgou um trabalho realizado com a Organização Internacional de Jovens e Estudantes LGBTQI (IGLYO), segundo o qual mais de oito em 10 pessoas inquiridas referiram ter ouvido comentários negativos dirigidos a pessoas por serem LGBTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Queer, Intersexuais).

Conforme o inquérito da IGLYO, 54% das pessoas LGBTQI sofreram bullying na escola pelo menos uma vez, devido à sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género ou diferenças de características sexuais.

O trabalho envolveu de 17.000 crianças e jovens entre os 13 e os 24 anos e mostrou também que 83% dos estudantes ouviu, pelo menos, algumas vezes, comentários negativos relativamente aos alunos LGBTQI e que 67% foram alvo desses comentários, pelo menos uma vez.

Em Portugal, a propósito do bullying homofóbico, um trabalho da Associação ILGA Portugal (2018) envolvendo 700 jovens dos 14 e aos 20 anos, refere que 73,6% já sentiu alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas.

São dados inquietantes e conforma a peça do Expresso refere, sendo genericamente grave, em alguns países a situação é ainda mais preocupante.

Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.

Neste universo e mais uma vez importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.

Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Em Portugal estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.

Lamentavelmente, parte importante das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.

A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.

Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos ou não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.

Estes sinais não devem ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

domingo, 16 de maio de 2021

O MILAGRE DOS ENXERTOS

 

Estamos a entrar no tempo a que gosto de chamar do milagre dos enxertos. O Mestre Zé chegou ontem ao Monte determinado a dar uma “aula” de enxertos e com ele determinado ...

Convocou-nos de forma irrecusável e eu, a Nela e o Valter, o nosso mais recente ajudante aqui na lida do monte, os oitenta anos do Mestre Zé e os nossos sessenta e muitos já pesam, preparámo-nos.

Com serrote, tesoura de podar, navalha de enxertos e baraço começam os enxertos dos cinco zambujos que estão a crescer em frente da casa.

Entretanto, o Mestre Zé já tinha colhido uma vara de oliveira mansa que parecia boa, tinha “vício”, largava a casca com facilidade.

O Mestre Zé fez o primeiro para mostrar como se fazia, é diferente dos enxertos das laranjeiras e dos pereiros que já “sabemos” fazer, diz ele que é nosso amigo.

Bom, depois do Valter chegou a minha vez. Primeiro, um corte no tronco do zambujo na altura certa e abertura de um golpe em t invertido para abrir a casca

Depois, na vara de oliveira mansa escolher uma zona com uma borbulha, realizar um corte circular um pouco mais acima da borbulha e outro mais abaixo e retirar com cuidado a casca que é então colocada no golpe feito no tronco do zambujo, bem junto à parte a descoberto e depois bem apertado com um baraço para que o pedaço de casca nova que tem a borbulha que há-de, esperemos, dar um rebento de oliveira mansa fique bem colado ao tronco do zambujo.

Para acabar, apanha-se um pouco de pasto que se coloca dobrado como um chapéu por cima do enxerto, apertado também com um baraço, para o proteger do Sol se ele, como se espera, rebentar.

Está feito.

O Mestre Zé com os olhos pequeninos a brilhar diz que não me saí mal, acho que para dar ânimo. Ainda assim avisou que se o enxerto não pegar pago o almoço. Estou a ver o que me espera.

É um trabalho bonito, de uma árvore que pouco mais dará que lenha fazer uma que nos dê azeitona para comer e para azeite e ainda lenha é mesmo milagre.

São também assim os dias do Alentejo.


sábado, 15 de maio de 2021

PORTUGUESES, UMA ESPÉCIE AMEAÇADA

 

Na imprensa de ontem divulgava-se que o número de nascimentos em Janeiro e Fevereiro foi o mais baixo desde que há registos levando a que o saldo natural entre nascimentos e óbitos se agrave, pois conjuga-se a baixa natalidade com o ou aumento da mortalidade.

Com estes indicadores acentua-se o inverno demográfico.

Nós, portugueses, somos uma espécie ameaçada e fico deveras inquieto com a aparente despreocupação que as autoridades na matéria e do universo da ecologia revelam e a ausência de medidas de protecção. Curiosamente, outras espécies ameaçadas são objecto de iniciativas que promovem a sua recuperação.

Na verdade, de há alguns anos para cá os portugueses têm sofrido com alterações a vários níveis que se traduzem na diminuição no nascimento de novos indivíduos.

As alterações climáticas e das condições de vida no território têm sido de alguma severidade criando um clima tenso, inseguro, que gera desconfiança e desesperança e aumentado as dificuldades da sobrevivência.

Neste contexto a actual pandemia vem constituir-se como mais uma séria ameaça à espécie.

Por outro lado, exceptuando alguns exemplares mais preparados, os portugueses têm sido vítimas de predadores, também conhecidos por mercados, que têm criado uma enorme pressão no nosso habitat instalando situações de carência e pobreza que dificultam a construção de projectos de vida que incluam filhos o que acentua o declínio da espécie.

É também sabido que nas espécies mais evoluídas assume especial relevância na sua sobrevivência e evolução o papel e a qualidade das lideranças. Também nesta dimensão se verifica uma enorme fragilidade criando uma deriva inconsequente e dispersão de esforços e ideias. Esta situação é ainda um contributo para as alterações climáticas que referi acima.

Os membros mais novos da espécie têm sido particularmente afectados pelas alterações no seu ecossistema pelo que população adulta tende a abster-se de aumentar o número de indivíduos, condição imprescindível à manutenção da espécie.

Acontece ainda que muitos milhares de portugueses, válidos e qualificados, sem que se sintam capazes da sobrevivência no seu habitat se sentem empurrados e têm partido para outros territórios onde muito provavelmente se adaptarão e a prazo abandonam, na prática, a sua espécie embora possamos beneficiar da presença de indivíduos de outras espécies que vêm para o nosso território e se adaptam a este habitat.

Neste quadro, parece urgente que se exijam medidas de protecção aos portugueses. Urge diminuir a actividade predatória sobre boa parte da população.

É necessário aumentar os níveis de protecção e incentivo à natalidade, mas de forma séria e não medidas inconsequentes e mais retórica. Os custos dos serviços de educação para os membros mais novos da espécie são dos mais altos da Europa.

Importa aumentar o bem-estar da população no seu todo e não de uma pequena minoria que é insuficiente para a manutenção da espécie.

Urge construir um caminho que possibilite a recuperação e proliferação da espécie.

Não somos uma espécie em extinção.

Somos, é verdade, uma espécie ameaçada.

Mas vamos sobreviver.

E para isso é preciso mudar.

Já.

PS – É fundamental que o Plano de Recuperação e Resiliência, em fase de aprovação, contemplasse de forma robusta e competente verdadeiras políticas de apoio às famílias.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

A LER, "O DEBATE SOBRE A ESCOLA DESCOLOU DA REALIDADE"


A escola, enquanto instituição viva e, incontornavelmente, associada às novas qualidades do mundo, solicita uma reflexão contínua sobre si mesma envolvendo todos os actores que fazem dela o seu universo. Esta reflexão contínua não tem que produzir regularmente “novos paradigmas” ou “inovações”, tem de se associar a ajustamentos em áreas como, currículo, organização e governança, autonomia, a definição de recursos e modelos de organização, avaliação e carreiras dos profissionais e técnicos, etc., etc, apoiados em políticas públicas consistentes e competentes.

Neste sentido o texto de Paulo Prudêncio no Público, “O debate sobre a escola descolou da realidade” é interessante e merece leitura.

DA SÉRIE "METE-ME ESPÉCIE"

 

Devem existir motivos poderosíssimos que me escaparão como a boa parte dos cidadãos, mas “mete-me espécie” que Eduardo Cabrita ainda seja Ministro da Administração Interna.

Devo dizer que não sou particular adepto do coro de vozes que sistemática e facilmente pedem a substituição de Ministros. Entendo que a responsabilidade deve exercer-se até ao fim dos mandatos.

No entanto o Ministro Cabrita já é um “estudo de caso”, funciona em modo “cada cavadela, cada minhoca”. Desde a polémica em torno das golas inflamáveis, do caso trágico passado no SEF, das trapalhadas em torno do SIRESP, da questão de Odemira e da forma como decorreram os festejos dos sportinguistas, para além de outras questões de menor visibilidade, o Ministro Cabrita tem mostrado uma consistente e coerente incompetência que impressiona, para além de intervenções públicas absolutamente desastradas e que nos destratam a inteligência.

Aliás e em termos de intervenções públicas, o Ministro revela aqui sim uma estranha "competência", é das pessoas que mais consegue falar sem dizer nada e quando diz mesmo alguma coisa … seria melhor ter ficado calado. Por outro lado, em algumas circunstâncias em que seria imperativo ouvir o Ministro ... fica calado.

A sua manutenção no executivo ou é teimosia do Primeiro-ministro ou terá outras razões que me escapam. Pensar que será “apenas” o cartão certo parece-me pouco para suportar o apoio e elogio a tanto desacerto. A avaliação de "excelente" produzida pelo Primeito-ministro o Parlamento entra para a lista das grandes tiradas de humor político. 

Numa altura em que estamos à beira de lançar um Plano de Resiliência e Recuperação que tem como um dos eixos críticos o ambiente, julgo que a manutenção de Eduardo Cabrita como Ministro da Administração Interna já coloca também uma questão séria de agressão ambiental.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

DIA DA ESPIGA

 

Muito provavelmente, com tantas coisas a acontecer e a inquietar, já pouca gente notará que passa o Dia da Espiga, como se dizia quando era pequeno para referir a Quinta-feira da Ascensão. A verdade é que cada vez menos gente se irá lembrando do Dia da Espiga.

Nesta ocasião volto sempre umas dezenas de anos lá para trás no tempo.

Na minha casa íamos sempre buscar a sorte prometida no ramo da Espiga. Com o meu pai, pegávamos nas bicicletas, na altura o meio de transporte familiar, e íamos à quinta onde vivia a Avó Leonor apanhar o ramo da Espiga, papoilas, flores silvestres, sobretudo malmequeres amarelos e brancos, o que se encontrasse de espigas de cereais e o ramo de oliveira.

Fazia-se o ramo atado com ráfia, arranjávamos sempre mais do que um para oferecer aos vizinhos e colocava-se pendurado lá em casa por cima da mesa do jantar como chamariz da sorte. Saía apenas quando era substituído por um novo ramo da Espiga. Nunca me lembro de termos conseguido associar a presença do ramo ao que de bom nos ia acontecendo, mas o ramo da Espiga lá estava e a tradição era sempre cumprida.

Nas novas qualidades que o mundo vem tomando, não parece que possam caber minudências como andar no campo, se houver campo, à cata de flores, espigas e um raminho de oliveira. Por estes dias parece ainda menos provável.

Não sei se é bom, ou se é mau, mas eu gostava de ir à Espiga, mesmo se não confiava muito na sorte.

Resta dizer que o ramo da Espiga será construído daqui a pouco com o que vamos encontrar no campo aqui do monte. Cá em casa algumas tradições mantêm-se.

Coisas de velhos, já se vê.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

DA "TUDOTERAPIA"

 A passagem de olhos por diferentes páginas das redes sociais ou outros espaços da net em que se abordam problemáticas relativas a alunos com necessidades especiais tem vindo mostrar de forma crescente e sem aparente limite a oferta de programas de intervenção, técnicas, manuais, materiais e actividades da mais variada natureza, etc. que são apresentados como a solução para todas as dificuldades que possam afectar o funcionamento das crianças nas suas diferentes dimensões incluindo a escolar.

Não é raro deparar com a referência a “quadros clínicos” ou diagnósticos que não conhecidos e muito menos reconhecidos pelo estado da arte deste universo, assim como não é raro que uma mesma entidade ou “especialista” ofereça uma gama diversificada de abordagens numa afirmação de conhecimento absolutamente esmagadora.

Pode acontecer certamente que as dúvidas que se me colocam em muitas situações se devam ao desconhecimento e ignorância. É natural, quase cinquenta anos ligado a estas matérias será tempo suficiente, nunca será, para conhecer tudo.

Na verdade, parte do que leio sobre estas situações parece assentar num pensamento mágico, não me atrevo a pensar noutros interesses, que sustenta ou atesta resutados, “melhoras” e, assim, alimentam o recurso a esta gama infindável que designo como  "tudoterapia", ou seja, tudo é terapêutico.

A minha inquietação decorre, essencialmente, do que acontece com os pais, mas também com professores, conheço muitas situações, quando se envolvem nestas experiências ou as úvidas com que ficam. As suas fragilidades e impotência face aos problemas que os filhos evidenciam ou dificuldades sentidas com alunos, a vontade inesgotável de tentar ou experimentar o que estiver ao seu alcance para que os problemas se atenuem ou desapareçam, leva-os a investirem imenso nessas abordagens que, na verdade, não são milagrosas e não têm resultados garantidos.

Para além dos custos, da frustração em caso de insucesso, o mais provável na maior parte da "tudoterapia", alguns pais podem ainda sentir-se culpados porque, por exemplo, devido a circunstâncias económicas ou de acessibilidade, não podem providenciar tais "terapêuticas" aos seus filhos. A "evolução" que por vezes se regista em algumas situações, pode dever-se, por exemplo, a um efeito placebo, a uma maior atenção ou estímulo proporcionado à criança ou adolescente e não decorrer das propriedades terapêuticas do procedimento, para as quais, como referi, não existe nas mais das vezes, validade científica.

Neste cenário, os técnicos têm um papel fundamental, embora difícil, de contenção das angústias e necessidades dos pais, no sentido de procederem a abordagens sérias e realistas sobre os objectivos, limites e resultados esperados das intervenções disponíveis, ajudando e orientando as famílias nas escolhas e decisões.

No entanto e felizmente, também vão surgindo pais com uma postura cítica e de escrutínio relativamente este tipo procedimento e oferta. É bom que assim seja.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

A BIRRA

 Era uma vez um miúdo, o Francisco, com três anos e pouco. Vivia com o pai Daniel, a mãe Maria, a irmã Joana e a avó Jacinta, muito velha e que às vezes inventava histórias esquisitas.

Como muitas famílias naquela terra, saíam muito cedo de casa e voltavam já tarde. O Francisco para a o Jardim de Infância, a Joana para a escola e tempos livres, o pai e a mãe para o trabalho e a avó para o centro de dia dos reformados.

Quando chegavam a casa, o pai Daniel lia o jornal na sala, a mãe Maria dava banho ao Francisco e fazia o jantar, a irmã Joana fazia os trabalhos de casa e a avó dormia sentada no sofá e, no meio do sono, inventava histórias. Para despachar o Francisco davam-lhe jantar primeiro e depois ele entretinha-se a brincar, só, enquanto o resto da família jantava a olhar para a televisão por causa de uma telenovela.

Um certo dia, o Francisco resolveu fazer uma birra das grandes para comer a sopa do jantar. A mãe Maria depois de cantar todas as cantigas que sabia, desesperou e chamou o pai Daniel que para entreter o Francisco fazia macaquices, veio também a irmã Joana que trouxe a playstation dela para o Francisco ver. Até a avó Jacinta se levantou do sofá e contava histórias antigas. E começaram a ser assim muito animadas as horas de jantar do Francisco, todos os dias.

Só ele sabia que com a birra conseguia que a família estivesse junta à volta dele.

domingo, 9 de maio de 2021

UMA MANHÃ CABANEIRA

 

Pode parecer estranho e peço desculpa aos que sentem a sua vida complicada, mas já tinha saudades de uma manhã assim, cabaneira como aqui se fala, chuva não em excesso, algum vento, mais frio que ontem, dia de cor cinzenta carregada que contrasta com a terra ainda vestida de verde.

A água como não é demasiado grada é bem-vinda, a horta agradece apesar de ontem e sem a certeza da chuva, tudo tersido regado. Nós também agradecemos, a água é a fonte de onde tudo vem.

Os velhos como eu gostam de dizer “como no tempo de antigamente de antigamente”, conversa de velho, é claro.

É um tempo que convida a ler coisas que estavam em lista de espera, a escrever algo não urgente, a ouvir sons menos habituais, a arrumar o que aguardava oportunidade e, sobretudo, dá disponibilidade.

São também assim, cabaneiros, os dias do Alentejo.

sábado, 8 de maio de 2021

NA VANGUARDA A INCLUSÃO É PARA TODOS

 

Mais uma vez o Ministro Tiago Rodrigues conseguiu surpreender-me. Num evento integrado na Cimeira Social da União Europeia, o Ministro da Educação afirmou que “Portugal é orgulhosamente conhecido como um país que está na vanguarda da inclusão na educação, indo mais além na promulgação de um quadro legal para a inclusão de estudantes com ou sem dificuldades na educação”. Nem mais, tomem e embrulhem.

Um país de vanguarda cria novos paradigmas regularmente. Neste novo paradigma a inclusão passa a ser para todos. A sério!?

Assim sim, então podia lá ser a inclusão não ser para todos os “estudantes”, claro que é, é mesmo para todos. E o Ministro, por economia, apenas referiu os que têm dificuldades e os que não têm, faltou a referência às características que fazem com que cada aluno seja diferente de todos os outros, mas compreende-se a simplificação.

Só achei que faltou uma referenciazinha à inclusividade, estar na vanguarda tem responsabilidades e solicita a utilização de terminologia actualizada.

É sábado, não me apetece escrever umas notas sobre este entendimento. Muitos vezes aqui referi alguns equívocos associados ao “quadro legal para a inclusão dos estudantes”.

A verdade é que não posso esquecer que Tiago Rodrigues é o responsável sectorial pelas políticas públicas de educação.

É de esperar um bocadinho mais.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

DELINQUÊNCIA E REINCIDÊNCIA EM ADOLESCENTES E JOVENS

 Foi por estes dias divulgado um relatório da PSP segundo qual foram registados nos últimos dois anos 599 assaltos praticados nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto por menores entre os 12 e os 16 anos. Trata-se do segundo crime mais comum entre os 101 jovens internados em centros educativos.

Numa perspectiva mais alargada recordo dados do Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2019. A delinquência juvenil, entre os 12 e os 16 anos, em 2019 aumentou 5,6% e a criminalidade grupal (gangues) aumentou 15,9%.

Antes de umas notas sobre os jovens envolvidos em situações de delinquência, relembrar que a prevenção é a questão crítica. Neste sentido, um sistema público de educação com qualidade, com recursos diversificados e competentes e autonomia das escolas, é a melhor ferramenta de promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através de uma educação global que se minimiza o impacto de condições sociais, económicas e familiares mais vulneráveis e a emergência de comportamentos mais disruptivos por ausência de projecto de vida.

Depois de iniciado um trajecto de delinquência importa que registar que em 2018, um relatório da Direcção de Serviços de Justiça Juvenil envolvendo os Centros Educativos e das equipas de Reinserção Social referia que decorridos dois anos do cumprimento de uma medida tutelar de internamento 31% dos jovens volta a ser condenados. Se considerarmos a reincidência num período de tempo mais alargado a taxa é ainda maior apesar de alguma melhoria mais recente.

Uma das questões referidas como associadas a este valor prende-se com a necessidade de apoio e suporte após a saída dos Centros Educativos bem como as dificuldades dos Centros Educativos em construir com os jovens internados projectos de vida que sustentem um menor risco de reincidência.

Múltiplos estudos evidenciam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais. As casas de autonomia, uma intenção conhecida em 2013 e na lei desde 2015, visam justamente apoiar este processo e saída dos centros e de promoção de uma reinserção social bem-sucedida. No entanto, apenas em 2019 e de forma pouco expressiva arrancou o processo de instalação das primeiras casas de autonomia.

Sabemos que educação, prevenção e programas comunitários de reabilitação e integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.

Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente o internamento enquanto menor e a prisão para os mais velhos, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos adolescentes e jovens envolvidos em episódios de delinquência.

No entanto, a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.

Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.

É em todo este caldo de cultura que nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar que geram os episódios que regularmente nos assustam e inquietam e com consequências sérias.

É urgente que nos questionemos e questionemos as instituições, em nome dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos.


quinta-feira, 6 de maio de 2021

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

 Nos últimos tempos e associada a questões de saúde pública, sobretudo o elevadíssimo número de casos de Covid19 detectados na zona de Odemira, emergiu um ruidoso, e eu diria que de certa forma hipócrita, alarido  relativo a uma situação que é de há alguns anos conhecida no Alentejo e que tem vindo, por várias razões, a aumentar, a situação de exploração brutal, condições de habitação degradantes, vitimização por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra em que se encontram milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e mais recentemente de países asiáticos.

A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e agora parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.

Têm sido cada vez são mais frequentes as referências situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos como hoje são notícia a que a pandemia veio dar ainda maior expressão ainda que existam em matéria de contratação e protecção algumas boas práticas.

Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.

A este tipo de exploração parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.

Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu, como o Holanda, Bélgica ou Reino Unido.

Estes tempos, marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.

O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

 Hoje, pela segunda vez vez, assinala-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa. É falada por cerca de 260 milhões e parece ter um significativo potencial de crescimento.

Lamentavelmente, esta comemoração decorre em pleno período da transformação do Português em “acordês”.

Será porventura uma tarefa sem sucesso, mas enquanto for possível reverter a situação criada pelo AO90, ou, pelo menos, atenuar danos, vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.

É importante recordar que apenas Portugal, S. Tomé e Príncipe, Brasil e Cabo Verde procederam à ratificação. Em 2018 a Academia Angolana de Letras solicitou ao Governo angolano que o Acordo Ortográfico de 1990 não seja ratificado e há algum tempo a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados do Parlamento do Brasil aprovou um requerimento de audiência pública para que seja debatida a revogação do AO ao que parece por indicação do Presidente Bolsonaro o que será porventura umas raríssimas ideias positivas vindas da sinistra figura. Não conheço desenvolvimentos relativa a esta situação.

Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma. O argumento da uniformização é disparatado, basta atentar no exemplo do inglês e do castelhano ou da mixórdia resultante no português escrito e falado nos diferentes países da comunidade.

O resultado foi transformar a Língua Portuguesa numa confusão impossível de concertar dadas as diferenças entre o Português falado e escrito pelos diferentes países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Era importante que fossem revertidos alguns dos maus-tratos dados à Língua Portuguesa com o AO90.

Enquanto o corrector me permitir e eu conseguir tentarei evitar o “acordês”, birra de velho, evidentemente.

terça-feira, 4 de maio de 2021

DO "FALHANÇO" DO ENSINO A DISTÂNCIA

 O Público divulga um trabalho da Universidade do Minho sobre o chamado ensino a distância realizado em Janeiro deste ano considerando, portanto, o primeiro período de confinamento em 19/20.

Foram inquiridos 280 docentes e entre vários outros dados que merecem atenção, 80% entende que se verificou uma redução efectiva no nível das aprendizagens sendo que 70.3% afirma que os alunos abrangidos pelas medidas definidas no regime jurídico para educação inclusiva sofreram maior impacto.

Nada de novo, desde o início do primeiro desconfinamento que muitas vezes aqui tenho referido questões desta natureza, os impactos do ensino não presencial.

Talvez por isso, me sinta à vontade pars umas notas breves sobre algo que me parece desajustado, a referência ao falhanço do “ensino a distância”.

Em primeiro lugar não devemos falar de ensino a distância, mas sim em ensino não presencial com apoio de recursos digitais.

Importa recordar que em Março de 2020 é decidido o encerramento das escolas e, praticamente, num fim-de-semana, escolas e professores realizaram um esforço gigantesco para manter mais de um milhão de alunos ligados às suas escolas e professores.

Sabe-se dos inúmeros constrangimentos ao nível de recursos, nas famílias e nas escolas, na formação, das condições de desigualdade nos contextos familiares considerando espaços, equipamentos, disponibilidade, literacia digital, etc.

Foi reconhecido que alunos em situações mais vulneráveis sofreram maior impacto dos constrangimentos verificados, sempre assim é e assim será.

Apesar deste cenário começa aqui o que me parece ser o verdadeiro falhanço, a crença mágica de que o “ensino a distância” seria o “novo paradigma”, o novo ensino.

Perto do final do ano lectivo passado foi anunciado que em Setembro de 2020 todos os alunos teriam portátil e kit de acesso a dados, assim com as escolas teriam o seu parque informático actualizado.

Como se sabe nada disto aconteceu, ainda hoje não chegaram às escolas e aos alunos os equipamentos necessários e aqui sim, temos um falhanço, independentemente das razões apresentadas, resposta dos mercados, por exemplo, que, talvez, se minimizassem com encomendas atempadas.

Acontece que em Janeiro de 2021 o ensino voltou ao modo não presencial, não ao “ensino a distância”. Apesar da experiência do ano anterior que escolas e professores acumularam, da formação que muitos docentes obtiveram, de alguma evolução nos recursos e equipamentos, as vulnerabilidades de muitos alunos e contextos continuaram de forma muito significativa pelo que, de novo, emerge a conclusão dos impactos nas aprendizagens.

Com dois confinamentos na mochila surge então um discurso, algumas vezes assustador, incluindo do Ministro da Educação, sobre a “geração perdida”, perdas irreversíveis e levantam-se ideias, algumas delas, estranhíssimas sobre a “recuperação das aprendizagens”, objectivo que aliás, já vinha do início do ano lectivo devido ao primeiro confinamento.

Entretanto, ainda aguardamos o Plano de Recuperação em preparação por um grupo de especialistas. Esperemos pelo Plano embora me parecesse mais adequado que a grande aposta fosse em planos das escolas, são quem conhece os alunos e o “estado da arte” das suas aprendizagens e que estas fossem dotadas dos recursos necessários e competentes.

Em síntese, sublinhar o “falhanço” do ensino a distância parece-me um olhar enviesado. Globalmente, não tivemos ensino a distância apesar de muito boas experiências. Existiram sim, constrangimentos emergentes das desigualdades sociais, falhanços nas respostas ao nível do planeamento, dos equipamentos e apoios às escolas, professores, alunos e famílias.

Como já disse, o que me parece que falhou claramente foi a ideia que a certa altura se instalou de que tínhamos chegado ao futuro através do ensino não presencial, do novo paradigma digital, sobretudo quando consideramos os primeiros anos de escolaridade.

Não, que se dotem as escolas, os professores e os alunos dos melhores recursos digitais e das competências para a sua utilização a partir do espaço de onde ainda emerge a escola, a sala de aula, com alunos e professores próximos.

PS - Foi actualizada a promessa de dotar todos os alunos e professores com cumputadores. Passou de Setembro de 2020 para o final de 2022, um ligeiro atraso. Ao que parece, o tiro de pressão de ar não funcionou pelo que será necessário aguardar por um tiro de "bazuca". Bom, vamos esperar.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

DE "MAIOR E VACINADO" A "SÉNIOR E VACINADO"

 Há muitos anos atrás, quando jovem adulto, era frequentemente recorrer-se à expressão "sou/é maior e vacinado" para afirmar a capacidade de alguém para fazer e decidir ou para ser responsabilizado por algo de menos positivo que tivesse realizado, "é maior e vacinado", ou seja, já não é nenhum miúdo. 

Atrás dos tempos, tempos vêm e hoje achei que devia reciclar a frase dado que passei  à condição de “sou sénior e vacinado”.

Por várias razões estava a querer que tal acontecesse logo que possível e num processo tranquilo, rápido e bem organizado … levei a vacina.

É um processo que já decorre há algum tempo e proliferaram dúvidas e receios envolvidos em discursos algumas vezes mais emocionais que racionais sobre a questão da vacinação e das vacinas. A comunicação de alguns responsáveis nacionais e internacionais e o estranho processo de suspensão temporária de uma das vacinas disponíveis também não ajudou à serenidade.

Não sendo especialista, dificilmente o seria no meio de tantos milhares, sei que as vacinas, como todos os medicamentos, contêm algum tipo de risco que basicamente estará identificado e sei também que estão envolvidos interesses económicos muito significativos.

No entanto, parece-me também claro que a vacinação representa um ganho civilizacional que poupa a morte ou sequelas significativas a muitos milhares de crianças e adultos no mundo inteiro, recordo por exemplo, como o sarampo ou a varíola eram devastadores antes das vacinas. Aliás, quando reparamos nas taxas de mortalidade de algumas doenças verificada em países que não conseguem assegurar campanhas de vacinação generalizadas percebemos isso com clareza.

Assim sendo, é sempre com alguma preocupação que em nome de valores, certamente legítimos, mas que necessitam de ponderação, se possa decidir por comportamentos que manifestamente são causadores de riscos para sai e para a comunidade. Recordo os efeitos dramáticos da decisão de muitos pais que com base num argumentário falsificado decidiram impedir os seus filhos de tomar a vacina contra o sarampo.

Neste contexto, creio que com o avanço do processo de vacinação aos diferentes grupos nos iremos todos sentindo mais seguros e mais protegidos.

domingo, 2 de maio de 2021

DIA DA MÃE, DIA DE MÃE

 

DIA DA MÃE

(excerto de “Deolinda de Jesus” de António Rodrigues Ribeiro, António Variações)

 A minha mãe.

É a mãe mais bonita,

Desculpem, mas é a maior,

Não admira, foi por mim escolhida,

E o meu gosto, é o melhor,

E esta é a canção mais feliz,

Feliz eu que a posso cantar,

É o meu maior grito de vida

Foi o seu grito, o meu despertar

Canção de mãe é sorrir,

Canção de berço de embalar,

Melodia de dormir,

Mãe ternura a aconchegar,

Canção de mãe é sorrir,

Gosto de ver e ouvir,

Voz imagem de sonhar

Imagem viva lembrança,

Que faz de mim a criança,

Que gosta de recordar

 

DIA DE MÃE

(excerto de “Calçada de Carriche” de António Gedeão)

 Chegou a casa

não disse nada.

Pegou na filha

deu-lhe a mamada;

bebeu da sopa

numa golada;

lavou a loiça,

varreu a escada;

deu jeito à casa

desarranjada;

coseu a roupa

já remendada;

despiu-se à pressa,

desinteressada;

caiu na cama

de uma assentada;

chegou o homem,

viu-a deitada;

serviu-se dela,

não deu por nada.

sábado, 1 de maio de 2021

O TEMPO MUDA TUDO

 

O povo costuma dizer que o tempo muda tudo. Embora nem sempre esteja de acordo com o povo, na matéria que se segue creio que existirá algum fundamento.

Em miúdo é teimoso, em graúdo torna-se persistente.

Em miúdo é desconcentrado, em graúdo torna-se alguém capaz de estar atento a imensas coisas em simultâneo.

Em miúdo é hiperactivo, em graúdo torna-se um recurso humano extremamente activo.

Em miúdo é ausente, em graúdo torna-se um indivíduo contemplativo e de grande riqueza interior.

Em miúdo é mal-educado, em graúdo torna-se irreverente.

Em miúdo é esperto, em graúdo torna-se inteligente.

Em miúdo é “uma lesma”, em graúdo torna-se um indivíduo imune ao stresse e resiliente.

Em miúdo é arrogante, em graúdo torna-se assertivo e seguro.

Em miúdo é habilidoso, em graúdo torna-se de grande competência social.

Em miúdo é descuidado na aparência, em graúdo torna-se informal.

Em miúdo é o culpado por tudo, em graúdo torna-se líder.

Em miúdo é esquisito, em graúdo torna-se peculiar ou “out ot the box”.

Acho que já chega para perceber por que razão os miúdos, por vezes, querem crescer cada vez mais depressa.