sábado, 9 de janeiro de 2021

PEDALA MIÚDO, PEDALA

 Ao pensar numas notas para hoje, senti que não me apetecia falar do frio que por aí vai induzido pelo clima, pelos números da pandemia, pela assustadora narrativa da política interna e externa. Também não sei que mais poderia ser dito sobre isto, face aos inúmeros especialistas e imensidade de notícias e opiniões.

Assim, uma pequena reflexão a propósito de uma ideia curiosa apresentada pelo PSD e que encontrei no Público. O seu Grupo Parlamentar aprovou um projecto de resolução recomendando ao Governo que “estabeleça o programa nacional de apoio ao uso da bicicleta no ensino pré-escolar" e “proceda atempadamente à cabimentação dos recursos necessários”.

A proposta é alicerçada nos benefícios da introdução precoce do uso da bicicleta com impacto no desenvolvimento das crianças a vários níveis e na promoção e adesão a opções de mobilidade amigável. Bem que noto o gozo que os meus netos, Tomás de quatro e Simão de sete anos têm com as binas e do constante pedido para “andar de bina”. E com tanto que os mais novos ainda têm para pedalar é bom que saibam.

A partir de algumas iniciativas que vão sendo conhecidas promovendo a aprendizagem do uso da bicicleta e da sua utilização nas deslocações para a escola, já por aqui tenho escrito como me parece útil a promoção de espaços de brincadeira de ar livre de que muitas crianças estão quase privadas sendo que a situação tem pouco a ver com as actuais circunstâncias de saúde pública. Está mais relacionada com estilos de vida e quadro de valores que deveriam, do meu ponto de vista, ser repensados e aí sim, a escola faz parte da solução, é pela educação que mudamos.

No âmbito de uma experiência numa escola básica de Lisboa em que se ensinava os alunos do 1º ciclo a andar de bicicleta e com segurança, o responsável pelo programa referia que no ano anterior trabalhou com uma turma de 4º ano com 25 alunos em que 80% não sabia andar de bicicleta. Numa outra experiência em Torres Vedras, um dos técnicos sublinhava que muitas crianças acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta. Elucidativo.

No entanto, o remeter tudo para a escola já me parece pouco cauteloso pois a escola não pode, nem deve, “ensinar” às crianças todas as competências de saber e saber-fazer que lhes possam ser úteis ou necessárias. Corre-se o risco de não conseguir realizar aquilo que, de facto, é a tarefa da escola, embora, naturalmente, as fronteiras nem sempre sejam óbvias.

É verdade que lidamos com problemas severos de falta de actividade física e autonomia nas crianças, já podemos falar de iliteracia motora e que é importante incrementar a mobilidade sustentável. Assim e como parece ser a preocupante tendência, a escola resolve. Não, repito, a escola não consegue, nem deve, resolver tudo.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos nas comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

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