Ao pensar numas notas para hoje, senti que não me apetecia falar do frio que por aí vai induzido pelo clima, pelos números da pandemia, pela assustadora narrativa da política interna e externa. Também não sei que mais poderia ser dito sobre isto, face aos inúmeros especialistas e imensidade de notícias e opiniões.
Assim, uma pequena reflexão a propósito de uma ideia curiosa apresentada
pelo PSD e que encontrei no Público. O seu Grupo Parlamentar aprovou um projecto de resolução recomendando
ao Governo que “estabeleça o programa nacional de apoio ao uso da bicicleta no
ensino pré-escolar" e “proceda atempadamente à cabimentação dos recursos
necessários”.
A proposta é alicerçada nos benefícios da introdução precoce
do uso da bicicleta com impacto no desenvolvimento das crianças a vários níveis
e na promoção e adesão a opções de mobilidade amigável. Bem que noto o gozo que
os meus netos, Tomás de quatro e Simão de sete anos têm com as binas e do
constante pedido para “andar de bina”. E com tanto que os mais novos ainda têm para pedalar é bom que saibam.
A partir de algumas iniciativas que vão sendo conhecidas
promovendo a aprendizagem do uso da bicicleta e da sua utilização nas
deslocações para a escola, já por aqui tenho escrito como me parece útil a promoção
de espaços de brincadeira de ar livre de que muitas crianças estão quase
privadas sendo que a situação tem pouco a ver com as actuais circunstâncias de
saúde pública. Está mais relacionada com estilos de vida e quadro de valores
que deveriam, do meu ponto de vista, ser repensados e aí sim, a escola faz parte
da solução, é pela educação que mudamos.
No âmbito de uma experiência numa escola básica de
Lisboa em que se ensinava os alunos do 1º ciclo a andar de bicicleta e com
segurança, o responsável pelo programa referia que no ano anterior trabalhou
com uma turma de 4º ano com 25 alunos em que 80% não sabia andar de bicicleta. Numa
outra experiência em Torres Vedras, um dos técnicos sublinhava que muitas crianças
acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta. Elucidativo.
No entanto, o remeter tudo para a escola já me parece pouco
cauteloso pois a escola não pode, nem deve, “ensinar” às crianças todas as
competências de saber e saber-fazer que lhes possam ser úteis ou necessárias. Corre-se o risco de não conseguir realizar aquilo
que, de facto, é a tarefa da escola, embora, naturalmente, as fronteiras nem
sempre sejam óbvias.
É verdade que lidamos com problemas severos de falta de
actividade física e autonomia nas crianças, já podemos falar de iliteracia
motora e que é importante incrementar a mobilidade sustentável. Assim e como
parece ser a preocupante tendência, a escola resolve. Não, repito, a escola não
consegue, nem deve, resolver tudo.
A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da
vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de
valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a
mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a
ser raro.
Embora consciente de variáveis como risco, segurança e
estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao
circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos
nas comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e
formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro
comercial, automóvel ou ecrã.
Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam
vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para
aquilo que somos e de que gostamos.
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