O Governo lançou a partir do dia 5 um concurso com o objectivo de reforçar o apoio psicológico e psicoterapêutico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica atendidas e/ou acolhidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica.
Estará prevista uma verba de 2,78 milhões de euros destinada
a colmatar as “necessidades de serviços de apoio especializado, privilegiando abordagens psicoterapêuticas focadas no trauma, com a designação de Respostas de Apoio Psicológico (RAP) para crianças e jovens vítimas de violência doméstica”.
Nesta iniciativa colaboram a Comissão para a Cidadania e a
Igualdade de Género e a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) assinam também
um protocolo de colaboração na resposta a construir.
Parece-me uma boa notícia, sobretudo num tempo em que
escasseiam. Esperemos, no entanto, que se concretize e não seja algo que fica por assim mesmo. Não estranharei, mas era bom que avançasse.
Neste universo seria desejável que na altura, meados de 2020
se tivesse avançado para a aprovação no Parlamento do estatuto de Vítima para
crianças inseridas em contexto de violência doméstica. O PS inviabilizou a
aprovação com o argumento de que ao actual e mais abrangente estatuo de vítima protege
os direitos das crianças e contou com o apoio do PCP e CDS, que se regista. Importa
ainda recordar que entidades como o Instituto de Apoio à Criança e a Ordem dos
Advogados, bem como uma petição assinada por cerca de 45000 cidadãos incluindo especialistas, entendem a necessidade de maior protecção para crianças em contextos de
violência doméstica.
O reforço do dispositivo de apoio agora anunciado seria, do
meu ponto de vista mais eficaz, com outro enquadramento legal mais amigável
para as crianças.
De facto, parece importante a necessidade de protecção nestes
casos considerando o número de situações e os efeitos destas vivências na vida
das crianças e adolescentes.
Como indicador recordo que segundo do Relatório Anual de
Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, a exposição de crianças e jovens a
episódios de violência doméstica foi o tipo de risco mais comunicado, 28,9%
tendo ultrapassado as comunicações por negligência, 28,6. Tal facto, reforça a a
necessidade de aumentar o quadro de protecção.
Para além de sublinhar os danos potenciais que esta
exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a atenção para um outro
potencial efeito nas crianças que assistem a episódios, por vezes violentos, de
violência doméstica, os modelos de relação pessoal que são interiorizados.
Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das queixas de
violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite pensar em
crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos casos participados de
violência doméstica estima-se que cerca de metade serão testemunhados por
crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações não reportadas,
pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também vítimas, serão em
número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio "Filho és, pai
serás", ou seja, num processo de modelagem social muitas crianças tenderão
a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os comportamentos a que
assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos, poderão adquirir
aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.
Não é certamente por acaso que estudos recentes em Portugal
evidenciaram números elevadíssimos de violência em casais de jovens namorados
universitários, uma população já com níveis de qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo de contrariar uma espécie
de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem à violência doméstica,
replicam a violência, a sociedade é violenta, quando crescem são violentos em
casa, e assim sucessivamente, importa que os processos educativos e de
qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro de valores.
Não é nada de novo, a afirmação desta necessidade.
A questão é que o próprio discurso social e político sobre a
escola e sobre os professores não me parece contribuir para que se possa
encarar a escola com a confiança necessária a que possa cumprir o seu papel e
contribuir para quebrar o círculo vicioso do processo de modelagem social
envolvido.
Acresce que a intervenção junto das famílias e a tentativa
de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência doméstica por exemplo, não
dispõe dos meios e recursos suficientes.
Esperemos que a medida agora anunciada, seja mais do que uma
promessa, e aumente significativamente os níveis de protecção e apoio a
crianças e jovens.
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