O Parlamento aprovou despenalização da morte medicamente assistida, também designada por “lei da eutanásia”, sendo desejável e adequado que fosse enunciada na primeira forma, trata-se de facto, de despenalizar a morte medicamente assistida.
A iniciativa teve 136 votos favoráveis e 78 votos contra. Os
votos contra foram os do CDS e Chega, de 55 deputados do PSD e 8 do PS que definiram
liberdade de voto e dos 10 deputados do PCP.
Em primeiro lugar nenhuma dúvida sobre a legitimidade de cada
sentido de voto. As minhas considerações remetem para o argumentário utilizado
como as primeiras reacções evidenciam.
Desde o início, a discussão sobre a problemática da morte
assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da
gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os
termos em que se enuncia a questão
Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como
se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão
deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização
do processo de morte assistida em condições claramente definidas legalmente,
reguladas e escrutinadas seriamente.
Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão é entender
se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada
recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto
não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de
Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e
baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes
com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de
saúde das mulheres.
Também da despenalização da morte assistida não creio que
venha o caos e o terror anunciados em múltiplas narrativas individuais ou
institucionais, que destilam manipulação e hipocrisia e insultam a inteligência
e a sensibilidade. Aliás, o líder da bancada do PCP “compreende” a questão, mas
preocupa-se com a eventual “banalização”. A sério Sr. Deputado? Uma lei não é
para ter consequências? O mau uso da lei não está regulado?
Como já escrevi, não sei o que será o meu entendimento
pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei
serenidade e dignidade.
Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte
assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.
É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos
direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma
religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação,
autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e
desespero.
António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero
o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de
que nasci”.
Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a
dignidade que lhe é devida.
Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e
ter no seu fim ou, pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.
Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus
valores, mas não vejo mesmo outro caminho. Importa, no entanto, aguardar pela decisão do Presidente da República.
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