sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

A DESPENALIZAÇÃO DA MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA

 O Parlamento aprovou despenalização da morte medicamente assistida, também designada por “lei da eutanásia”, sendo desejável e adequado que fosse enunciada na primeira forma, trata-se de facto, de despenalizar a morte medicamente assistida.

A iniciativa teve 136 votos favoráveis e 78 votos contra. Os votos contra foram os do CDS e Chega, de 55 deputados do PSD e 8 do PS que definiram liberdade de voto e dos 10 deputados do PCP.

Em primeiro lugar nenhuma dúvida sobre a legitimidade de cada sentido de voto. As minhas considerações remetem para o argumentário utilizado como as primeiras reacções evidenciam.

Desde o início, a discussão sobre a problemática da morte assistida ou eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está, do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que se enuncia a questão

Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização do processo de morte assistida em condições claramente definidas legalmente, reguladas e escrutinadas seriamente.

Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão é entender se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.

Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde das mulheres.

Também da despenalização da morte assistida não creio que venha o caos e o terror anunciados em múltiplas narrativas individuais ou institucionais, que destilam manipulação e hipocrisia e insultam a inteligência e a sensibilidade. Aliás, o líder da bancada do PCP “compreende” a questão, mas preocupa-se com a eventual “banalização”. A sério Sr. Deputado? Uma lei não é para ter consequências? O mau uso da lei não está regulado?

Como já escrevi, não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e dignidade.

Mas sei que não devo impedir ninguém de recorrer à morte assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.

É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação, autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e desespero.

António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci”.

Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a dignidade que lhe é devida.

Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e ter no seu fim ou, pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.

Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus valores, mas não vejo mesmo outro caminho. Importa, no entanto, aguardar pela decisão do Presidente da República.

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