sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

VIOLÊNCIA SOBRE PROFESSORES

 É hoje discutida na Assembleia da República uma Petição do Sindicato Independente de Professores e Educadores para que as agressões a professores em contexto escolar sejam consideradas crime público e, portanto, não carecer de queixa para que desencadeiem os adequados procedimentos de investigação. Não é uma ideia nova, recordo que já em 2002 tinha sido defendida pelo Conselho Nacional de Educação. Estarão ainda em discussão sobre a mesma matéria um projecto de lei do CDS-PP e uma recomendação do Bloco de Esquerda.

As notícias sobre agressões a professores, cometidas por alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade negativa” que trará a divulgação.

Os testemunhos de professores vitimizados na peça do Público são perturbadores e exigem atenção e intervenção.

Deste ponto de vista a consideração de comportamentos ofensivos dirigidos a professores em crime público ou o agravamento de penas podem ser um factor de protecção embora me pareça necessária uma reflexão um pouco mais alargada.

Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas no sentido em muitas vezes aqui tenho escrito.

Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.

Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não, à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola, contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa, sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos. Quando o ME refere a existência de “casos pontuais” colabora na desvalorização destes episódios, um já seria grave.

Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais, alguns, naturalmente.

Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si, “autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também, por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais, pessoal da saúde ou forças de segurança, por exemplo.

Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.

Considerando este quadro, creio que, independente de dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como prioridade na agenda política.

Definitivamente, a valorização social e profissional dos professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.

Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência da tutela, de direcções de escolas e agrupamentos, não se vai mais longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos, não se sentindo entregues a si próprios e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.

É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater, justamente, a ideia de impunidade.

Neste quadro, a definição de crime público para as ofensas a professores, o agravamento de penas ou a isenção de custas judiciais para os queixosos, podendo ser factores de protecção, não serão,  certamente e só por si, a solução.

 

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