Manda a liturgia e o quadro legal dos processos eleitorais que o dia anterior à votação se dedique à reflexão. Como em outras ocasiões tenho afirmado não estou muito de acordo com este cenário. Do meu ponto de vista, ainda que pareça estranho, a haver um dia de reflexão deveria ser o dia seguinte.
É verdade que este processo eleitoral ocorre em circunstâncias
excepcionais e essas sim, justificam reflexão aprofundada. A decisão em matéria
de voto não exige um dia de reflexão.
Em primeiro lugar não julgo necessário o dia de reflexão
antes do acto eleitoral porque não entendo que essa reflexão influencie
significativamente os resultados eleitorais pois, se por um lado a abstenção
continua a crescer, deixando cada vez mais o voto no eleitorado fidelizado, por
outro lado, o eleitorado flutuante não decide na véspera, decide, creio, face a
contextos e circunstâncias. No caso das presidenciais e por outras razões também
o dia de reflexão parece algo de desnecessário.
Em segundo lugar, porque na verdade, em termos de futuro
parece ser mais significativo reflectir nos resultados eleitorais que se
verificarem. Estas eleições são um claro exemplo disso mesmo, por exemplo a
partir da votação que receberá a extrema-direita.
No entanto e desde já, aproveito o dia de reflexão para
deixar um apelo muito sentido.
Apelo vivamente aos senhores integrantes da classe política,
em particular a uma figura notável, o Ministro Eduardo Cabrita, que a propósito das eleições de amanhã se
inibam de elaborar comentários como “queria felicitar o povo português pela
forma tranquila como está a decorrer, ou decorreu, o acto eleitoral”, “quero registar
a normalidade que o povo português evidencia no cumprimento do seu dever
cívico”, “os cidadãos mais uma vez mostram a sua maturidade democrática” ou
ainda “o acto eleitoral está a decorrer, ou decorreu, com toda a normalidade em
todo o território”. Considero afirmações desta natureza um insulto à esmagadora
maioria dos cidadãos eleitores em Portugal. Que diabo pensam de nós, para se
surpreenderem com a “normalidade” do nosso comportamento?
Então não é de esperar que participar num acto eleitoral,
das diferentes formas possíveis, seja algo de normal e tranquilo?
Lembro-me daqueles pais e professores que ao falarem de
miúdos acrescentam de imediato “e até se portam bem”, como se o comportamento
adequado seja uma surpresa e a excepção. Como se dizia no PREC, “repudio
veementemente tais afirmações”.
Já agora, nós, os cidadãos que votamos, ou não, com
normalidade democrática, gostávamos de poder comentar as campanhas dos
políticos dizendo que tudo decorreu com a elevação, sentido ético e de
esclarecimento normais. Mas não, existem sempre os insultos, a demagogia, a
trafulhice nas ideias e nas promessas, a falta de esclarecimento e debate
sério, etc.
A campanha que ontem terminou constituiu um autêntico
manual. Aliás, achei até curioso que ouvindo ou lendo muitas das intervenções
dos candidatos, mas parecia que são candidatos a chefe de governo e não á presidência
da República num quadro de distribuição de poderes como o nosso.
A actividade política das lideranças é que não decorre com
normalidade e tranquilidade democráticas. Não tratem os cidadãos como gente
incapaz e de quem sempre se espera o pior.
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