sábado, 21 de novembro de 2020

VENHO DEVOLVER A CRIANÇA, NÃO É BEM O QUE ESTAVA À ESPERA

 

Ontem encontravam-se na imprensa trabalhos relativos à situação de crianças que estando em situação de pré-adopção ou mesmo de adopção, que vêemo processo interrompido e voltam às estruturas de acolhimento. Não sendo a primeira vez que abordo esta questão e sempre com uma inquietação que me parece bem justificada, algumas notas.

Entre 2016 e 2019 pelo menos 67 crianças passaram por esta situação, quando já estavam em processo de pré-adopção ou mesmo já em adopção voltaram às situações de acolhimento. Este número corresponde a 7.2% das adopções realizadas no mesmo período. Técnicos envolvidos justificam com a falta de acompanhamento dos processos de adopção e está em desenvolvimento um projecto a iniciar-se em 2021 que irá acompanhar 270 famílias adoptantes durante três anos.

Esta situação, crianças com diferentes idades serem devolvidas à estrutura de acolhimento depois de iniciado um processo de adopção, pela qual algumas passam mais do que uma vez é absolutamente devastadora.

Os motivos para esta “devolução” passam por situações que assim podem aconselhar, maus-tratos da família adoptante por exemplo, mas também por justificações como “não correspondem às expectativas”, “'venderam-me gato por lebre” ou que atrapalham as rotinas com os animais de estimação da família.

Também há algum tempo num trabalho sobre o mesmo tema, o DN citava um caso em que uma criança foi devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a questões económicas.

Vejamos com mais atenção. Uma criança que por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição, envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito e prometedor. Passado algum tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma, devastadora experiência de abandono e rejeição com efeitos que não podem deixar de ser significativos. É muito sofrimento.

Como é evidente, admito que em circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido mas, insisto, só mesmo numa situação limite depois de esgotados os dispositivos de apoio às famílias adoptantes.

A lei permite o período de transição e um período de pré-adopção, uma espécie de contrato à experiência. Há uns anos em conversa sobre esta questão com o então presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Juiz Armando Leandro, este reconhecia que a devolução não tem de ser baseada em "critérios necessariamente válidos".

Os serviços competentes têm-se esforçado para que estas situações se minimizem quer através da adequação das famílias candidatas, quer nas orientações e apoios para a optimização dos processos de adopção mas, algumas situações continuarão certamente a acontecer.

Voltando ao tão apregoado "superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde às expectativas. Que sentirá a criança?

Porquê? Não presta? Não a querem? ...

Mas as crianças, Senhores?

Deixem-me ainda recordar uma expressão que ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.

Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.

Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto, é melhor criar uma oportunidade para que as crianças "desabrigadas" possam ser adoptadas, possam ser felizes.

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