Ontem encontravam-se na imprensa trabalhos relativos à situação de crianças que estando em situação de pré-adopção ou mesmo de
adopção, que vêemo processo interrompido e voltam às estruturas de acolhimento. Não sendo a primeira vez que
abordo esta questão e sempre com uma inquietação que me parece bem justificada,
algumas notas.
Entre 2016 e 2019 pelo menos 67
crianças passaram por esta situação, quando já estavam em processo de pré-adopção
ou mesmo já em adopção voltaram às situações de acolhimento. Este número corresponde a 7.2% das adopções realizadas
no mesmo período. Técnicos envolvidos justificam com a falta de acompanhamento
dos processos de adopção e está em desenvolvimento um projecto a iniciar-se em
2021 que irá acompanhar 270 famílias adoptantes durante três anos.
Esta situação, crianças com
diferentes idades serem devolvidas à estrutura de acolhimento depois de
iniciado um processo de adopção, pela qual algumas passam mais do que uma vez é
absolutamente devastadora.
Os motivos para esta “devolução”
passam por situações que assim podem aconselhar, maus-tratos da família
adoptante por exemplo, mas também por justificações como “não correspondem às
expectativas”, “'venderam-me gato por lebre” ou que atrapalham as rotinas com
os animais de estimação da família.
Também há algum tempo num
trabalho sobre o mesmo tema, o DN citava um caso em que uma criança foi
devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros
casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da
família ou a questões económicas.
Vejamos com mais atenção. Uma
criança que por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição,
envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser
a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito e prometedor. Passado algum tempo é
devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma,
devastadora experiência de abandono e rejeição com efeitos que não podem deixar
de ser significativos. É muito sofrimento.
Como é evidente, admito que em
circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido mas, insisto, só
mesmo numa situação limite depois de esgotados os dispositivos de apoio às
famílias adoptantes.
A lei permite o período de
transição e um período de pré-adopção, uma espécie de contrato à experiência.
Há uns anos em conversa sobre esta questão com o então presidente da Comissão
Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Juiz Armando Leandro, este
reconhecia que a devolução não tem de ser baseada em "critérios
necessariamente válidos".
Os serviços competentes têm-se
esforçado para que estas situações se minimizem quer através da adequação das
famílias candidatas, quer nas orientações e apoios para a optimização dos
processos de adopção mas, algumas situações continuarão certamente a acontecer.
Voltando ao tão apregoado
"superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará
na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa
altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a
estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde
às expectativas. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem?
...
Mas as crianças, Senhores?
Deixem-me ainda recordar uma
expressão que ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido
o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que
"só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças
são adoptadas pelos seus pais”.
Na verdade, muitas crianças não
chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto,
é melhor criar uma oportunidade para que as crianças "desabrigadas"
possam ser adoptadas, possam ser felizes.
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