terça-feira, 17 de novembro de 2020

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS E PROTECTORES

 

Com alguma regularidade continuam a ser conhecidas situações de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da criança ou famílias e também instituições que lidam com menores.

De facto, a maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer como tem sido divulgado.  Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em quem confia. Citando Manuel Coutinho do Instituto de Apoio à Crianças, "A família deve ser o local mais seguro que a criança tem e por vezes é lá que corre os maiores perigos".

Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.

Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.

A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.

Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa com eles. Na verdade, os professores e os técnicos das escolas são muito frequentemente quem se apercebe de situações de mal-estar das crianças, “são os olhos do sistema de protecção”.

Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme sofrimento provocado.

Neste cenário importa ainda ter em atenção o impacto que manutenção das crianças em casa depois de Março terá tido, preocupação expressa por muitos técnicos.

Como é evidente não se trata de uma situação fácil. Sabe-se que situações de isolamento potenciam o aumento de casos de violência doméstica como de maus tratos a crianças, a possibilidade de denúncia diminui, o medo prevalece e a própria situação, só por si, é geradora de risco.

No entanto, de uma forma alargada e com a colaboração da comunicação social e com os serviços de proximidade, autarquias por exemplo, talvez fosse possível promover a atenção das comunidades próximas, das relações de vizinhança, para o que pode estar a acontecer na casa ao lado e recorrer aos canais de informação disponíveis.

Sabemos que os riscos são grandes e a cada dia podem aumentar as situações de sofrimento e negligência que envolvem milhares de crianças.

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