Com alguma regularidade continuam a ser conhecidas situações de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações
envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da criança ou famílias e também
instituições que lidam com menores.
De facto, a maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre
nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que,
provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas
e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer
como tem sido divulgado. Os indicadores
sugerem que entre 70 a 80% das situações de abuso a responsabilidade é de
alguém que a criança conhece e em quem confia. Citando Manuel Coutinho do Instituto
de Apoio à Crianças, "A família deve ser o local mais seguro que a criança
tem e por vezes é lá que corre os maiores perigos".
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e
processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de uma verdadeira
cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas
de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de
posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou
por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família
ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes
façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das
consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas
e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da
denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias
vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a
ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça,
continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças,
designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos
e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa com eles. Na
verdade, os professores e os técnicos das escolas são muito frequentemente quem
se apercebe de situações de mal-estar das crianças, “são os olhos do sistema de
protecção”.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção
aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça
chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme
sofrimento provocado.
Neste cenário importa ainda ter em atenção o impacto que
manutenção das crianças em casa depois de Março terá tido, preocupação expressa
por muitos técnicos.
Como é evidente não se trata de uma situação fácil. Sabe-se
que situações de isolamento potenciam o aumento de casos de violência doméstica
como de maus tratos a crianças, a possibilidade de denúncia diminui, o medo
prevalece e a própria situação, só por si, é geradora de risco.
No entanto, de uma forma alargada e com a colaboração da
comunicação social e com os serviços de proximidade, autarquias por exemplo,
talvez fosse possível promover a atenção das comunidades próximas, das relações
de vizinhança, para o que pode estar a acontecer na casa ao lado e recorrer aos
canais de informação disponíveis.
Sabemos que os riscos são grandes e a cada dia podem
aumentar as situações de sofrimento e negligência que envolvem milhares de
crianças.
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