No âmbito da comemoração da resolução do Conselho da Europa de 27 de Novembro de 2009 sobre Literacia Mediática o Público lançou uma iniciativa “Dia P da Literacia Mediática” a propósito da qual se encontrava ontem uma peça que merece leitura e profundamente actual.
O papel crítico da imprensa nos tempos
de pandemia no sentido da informação e conhecimento. Este papel é tanto mais
importante quanto se tem acentuado a explosão da utilização das redes sociais e
a forma como são geridas e utilizadas.
Na verdade, os tempos vão negros.
Esta negrura exige mais do que nunca uma imprensa autónoma e independente que
na luta pela verdade combata … a imprensa e todos os que trabalham e se
alimentam de “fake news”, “factos alternativos” ou da fabricação da
“pós-verdade”. Há uns anos numa entrevista ao Público, Tom Rosenstiel,
especialista em comunicação, afirmava que se o jornalismo, (os jornais), deixar
de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento, as democracias
poderão sofrer um "cataclismo cívico". É este o risco quando falham
os “guardiões na luta contra a verdade”.
A questão, do meu ponto de vista,
é que terá de ser a imprensa a decidir e mobilizar-se de forma proactiva para
cumprir o seu insubstituível papel.
Se analisarmos o cenário actual
nesta matéria creio que boa parte da imprensa é, frequentemente complacente com
as lideranças económicas e políticas mas também frequentemente esta
complacência assenta no seu próprio alinhamento. Em qualquer dos casos um mau
serviço prestado à cidadania.
Sublinho que entendo como legítima que qualquer órgão de comunicação social
tenha um qualquer alinhamento, mas a linha editorial deve ser perfeitamente
transparente o que nem sempre acontece. Independente do eventual alinhamento é essência
que que se perceba a diferença entre facto (notícia) e opinião. Demasiado
frequentemente, as opiniões são ”vendidas” como factos ou os factos são
torturados e passam a notícia.
Entendo como deplorável que
muitos profissionais da imprensa aceitem a forma como algumas figuras reagem ao
ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões,
não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho
nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar
dessas matérias,” etc., etc. Desenvolvem assim uma espécie de surdez selectiva,
só ouvem o que lhes convém, de mutismo selectivo, só falam do que lhes convém,
de cognição selectiva, só conhecem o que lhes convém.
As mesmas figuras que
directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos
jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena
quando tal serve os seus diferentes interesses.
Algumas dessas figuras quando,
quase sempre fruto do alpinismo partidário, ascendem a alguma forma de poder
conseguem ainda ir mais longe nessa relação com a imprensa, se não lhes agrada
calam-na ou atacam-na como também não é raro. É um método velho e intemporal.
Neste cenário, profundamente
irritante e patético, sinto que nos insultam, que nos consideram destituídos,
como se por não abordarem as diferentes matérias, elas não existam ou, noutros
processos, que somos manipulados de forma nem sempre perceptível pela opacidade
das situações.
É grave a existência de uma
comunicação social, boa parte dela, passiva e resignada, que não confronte as
figuras públicas e os demais poderes, não os denuncie e que acorre solícita
quando essas figuras ou poderes entendem que têm algo a dizer ou a vender.
Também lhes convém esta subserviência interesseira que alguns mantêm, também
têm as suas agendas. Às vezes são recompensados.
Recordo que em 2017 o Sindicato
dos Jornalistas apelou a que a classe "boicote" as conferências de
imprensa ou declarações em que não sejam permitidas questões. É de num
Congresso dos Jornalistas também foi aprovada por unanimidade uma decisão no
mesmo sentido, as iniciativas com a proibição de perguntas não seriam
noticiadas.
Como é evidente, esta decisão não
teve qualquer consequência e recorrentemente assistimos a estas deploráveis
situações.
Levada a sério e posta em prática
poderia ser um forte contributo para combater o modo como muitas lideranças
entendem o papel da imprensa, serve para divulgar apenas a mensagem que lhes
interessa mostrando-se indisponíveis para responder a questões. A imprensa é
apenas um veículo publicitário dos seus produtos ou “verdades”.
Para além desta atitude seria
ainda desejável que quando colocam questões, os jornalistas façam as perguntas
adequadas e não uma encenação de diálogo que mais não é que um monólogo a dois,
ou seja, independentemente das perguntas, o inquirido fala do que quer sem que
isso lhe seja cobrado. É importante o movimento de “fact check” que vai
emergindo, mas é preciso mais.
Sei que não é fácil, todavia
também tenho a convicção de que seria uma forma de proteger a própria imprensa
e o seu papel insubstituível como um dos pilares das sociedades abertas e
democráticas.
É, também, por questões desta
natureza, que me parece imprescindível a abordagem das questões da cidadania e
desenvolvimento nas escolas e para todos os alunos.
A literacia mediática é um bem de
primeira necessidade e uma ferramenta de desenvolvimento das comunidades e da
democracia.
Os tempos que vivemos bem o
demonstram.
Sem comentários:
Enviar um comentário