quarta-feira, 4 de novembro de 2020

SEMENTES DE MAL-ESTAR

Parece-me interessante o texto de João Ruivo, “E há violência na escola?”, divulgado no Ensino Magazine analisando o contexto de emergência de comportamentos anti-sociais em crianças e jovens designadamente, bullying e a sua variante cyberbullying.

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Nesta sociedade que tarda a reencontrar-se e onde até a imbecilidade humana tem direito à globalização; onde, infelizmente, não sobram exemplos de coerência e de ética; onde as famílias se constituem mais com base no “ter” do que no “ser”; onde se permite que todos os dias se destrua um pouco mais deste planeta que é única casa de todos, não é de estranhar que desde muito cedo (92% das mães americanas inquiridas admitiram que os seus filhos, com menos de seis anos de idade, já tinham acesso e brincavam na internet…) se incrementem as tentações totalitárias, desumanas e irracionais e que estas se sobreponham ao prazer de brincar, de conviver e de aprender com o “outro”.

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Na verdade, por alteração dos estilos de vida, do quadro de valores e de muitas outras variáveis existem contextos familiares pouco saudáveis e reguladores do crescimento e desenvolvimento educativo de muitas crianças com evidentes reflexos no seu comportamento em diferentes contextos incluindo a escola.

Acresce que pelo mesmo conjunto de razões crianças e jovens passam um tempo muito significativo no contexto escolar que sem que existam recursos disponíveis para acomodar as questões levantadas pelos comportamentos em sala de aula e em todo o espaço escolar.

A actual situação, com impacto fortíssimo no bem-estar emocional e psicológico, é, naturalmente mais um indesejável contributo para um cenário que levanta inquietações e exige atenção e intervenção.

Sem querer desculpar ou branquear comportamentos creio que o quotidiano de muitas crianças, adolescentes e jovens está inquinado com sementes de mal-estar que por um qualquer "gatilho" ou circunstância, por vezes irrelevantes, se transformam em comportamentos anti-sociais ou mesmo violência dirigida a quem quer que seja, às vezes contra si próprios.

Vai sendo tempo de nos interrogarmos sobre os tempos que vivemos, os valores que os informam, os modelos de discursos e comportamentos que evidenciamos, estou a escrever isto e atento ao que se passa nos EUA, dos anónimos às elites e desde logo com as crianças, os atropelos à dignidade e direitos, a ausência de projectos de futuro que lhes permitam a esperança e substituam o vazio em que muita gente, mais velha ou mais nova, vive. É neste caldo de cultura que nascem e germinam as sementes de mal-estar.

Estas sementes estão “incubadas” muitas vezes desde a infância e adolescência e podem ir passando despercebidas até que o peso interior leva à “necessidade” da sua exteriorização e um qualquer “gatilho” vai detonar um conjunto de comportamentos que podem mesmo ser de extrema violência e de que, frequentemente, temos notícia ou conhecimento.

Sabemos que a prevenção e programas de natureza comunitária, socioeducativa, têm custos, mas importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da pobreza, exclusão, problemas de saúde mental, delinquência continuada ou da insegurança nas comunidades.

É essencial uma atenção precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.

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