segunda-feira, 2 de novembro de 2020

JUNTA-TE AOS BONS E SERÁS COMO ELES, JUNTA-TE AOS MAUS E SERÁS ...

No Expresso está uma referência a um trabalho de investigadores da Nova School of Business and Economics sobre a constituiçãodas turmas nas escolas públicas. Os dados confirmam uma realidade conhecida e assumida.

Foi analisada a informação relativa à origem socioeconómica (estudantes que recebem apoio da acção social escolar), à naturalidade (aluno ou pai nascidos no estrangeiro) e percurso académico (se já chumbou alguma vez) sobre todos os alunos matriculados no sistema de ensino público 2006/2007 e 2016/2017.

Num número significativo de escolas, um quarto, o trajecto académico dos alunos é um factor determinante para a sua colocação numa turma.

Em média, do 5.º ao 9.º ano, 20% dos alunos com pelo menos um “chumbo” são colocados em turmas de “repetentes” embora a situação varie de escola para escola, em 25% esta decisão é aplicada no máximo a 10% dos alunos com retenções e em 25% envolve um terço dos alunos com repetência.

As dimensões origem socioeconómica e naturalidade têm menor peso que a retenção na decisão sobre a colocação dos alunos.

Muitas vezes aqui tenho referido esta questão, os critérios de constituição das turmas e a sua eventual relação com o desempenho dos alunos, na escolha e nos efeitos.

Começando pelos efeitos.

Como é conhecido está em desenvolvimento o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar iniciado em 2016 no âmbito do qual 663 agrupamentos definiram planos de redução do insucesso.

Em Fevereiro foi divulgado o relatório “Acção Estratégica das 50 escolas que mais diminuíram o insucesso escolar no ensino básico” elaborado pela equipa do Programa.

Como seria de esperar de um programa de promoção do sucesso escolar o insucesso está em queda nos agrupamentos envolvidos e este relatório analisou as 50 escolas com melhores resultados.

Registando o abaixamento do insucesso temos a questão mais curiosa. A maioria das escolas que mais reduziram o insucesso recorre à criação de Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada o que parecendo significar “grupos de nível” não significa, é mesmo um Grupo Transitório de Heterogeneidade Mitigada, uma designação notável e um excelente exemplo de flexibilidade conceptual.

Também registei na altura a defesa que vi fazer deste novo enunciado assentando num estranho entendimento de que a “heterogeneidade mitigada” promove e defende a heterogeneidade natural e óbvia constituindo-se aliás, como uma ferramenta de educação inclusiva, outro exemplo de flexibilidade conceptual.

Por outro lado, o recurso a esta “modalidade” parece ser apresentado como variável explicativa para o maior sucesso o que não consegui encontrar no Relatório. Aliás, como na altura referi, nada no Relatório, como na literatura, sustenta uma relação de causa efeito entre Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada e desempenho escolar.

Como disse, creio ser bastante improvável que a variável “homogeneidade” de um grupo de alunos (ainda que mitigada) possa ser a “explicação” dos bons resultados pois é algo que não existe, não se conhecem dois alunos iguais.

Na verdade, se a homogeneidade fosse uma ferramenta de sucesso, todas as turmas que existem em muitas escolas constituídas por alunos “descamisados”, maus alunos, repetentes, malcomportados, desmotivados, etc., teriam de imediato sucesso, seriam homogéneas.

Na altura e partilhando a experiência pessoal, referi que eu próprio, entre o 1º ano do liceu e o 7º ano, frequentei quase sempre turmas de "heterogeneidade mitigada", também conhecidas por "turmas de repetentes e/ou indisciplinados" porque ainda não tinha sido inventada a inovação.

A verdade é que os alunos não têm sucesso significativo só por estar juntos por nível de desempenho, comportamento ou condição socioeconómica. Esta medida já existiu em tempos com as turmas de nível ou com outras designações e quem conhece a realidade sabe que os resultados dos alunos "maus" continuaram, genericamente maus, o povo diz junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior do que eles.

Provavelmente ainda alimenta de forma significativa o processo de tomada de decisão agora evidenciado.

Mais uma vez, o que fomenta o sucesso de alunos em situação mais vulnerável não é estar ao lado de alunos as mesmas características.

O que fomenta o sucesso é mais e melhor apoio a alunos e a professores.

O que fomenta o sucesso é um grupo de alunos com uma dimensão razoável que permita mais e melhor diferenciação da intervenção em sala de aula tal como a evidência sustenta.

O que fomenta o sucesso é o recurso a dispositivos como o "par pedagógico" ou outras medidas, apoios de natureza tutorial, por exemplo. Aliás, constam do elenco de metodologias no Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar e que algumas escolas acederam a recursos que lhes permitem ter mais docentes. Outras não, como sabemos.

Que se generalize esta tipologia de medidas através dos Projectos das escolas e menos através de sucessivos e inúmeros Projectos, Programas, Experiências, etc., vindos de fora das escolas e teremos melhor trabalho e mais sucesso de alunos e professores.

Não é sustentável afirmar que a variável que contribuiu para os bons resultados atingidos é a homogeneidade (mitigada ainda assim) das turmas.

É ainda perigoso que esta leitura possa legitimar, tal como trabalho Nova parece comprovar, decisões na constituição das turmas, guetizando alunos sem resultados se as outras variáveis não forem consideradas. Como muitas vezes não são. Aliás, a caixa de comentários da imprensa quando esta questão é abordada é elucidativa.

Quanto ao impacto, parece óbvio que a diversidade é sempre preferível a uma falsa homogeneidade. As atitudes de discriminação negativa não apresentam nenhuma espécie de vantagem pessoal ou social, guetizam, estigmatizam e promovem quer nos bons, quer nos maus, uma relação desconfiada e tensa facilitadora de problemas.

As dificuldades escolares gerem-se com apoios e recursos que terão certamente de ser diferenciados, mas não podem, não devem, implicar a criação de “guetos” para os “maus” ou de "condomínios" para os "bons".

Aliás, não deixa de ser curioso, para ser simpático, que na Conclusão do Relatório se enuncia como uma fragilidade os “Constrangimentos decorrentes da heterogeneidade do público escolar decorrente do alargamento da escolaridade obrigatória para 18 anos e da aplicação de medidas promotoras de equidade e inclusão e educativas;”

Notável. De facto, esta ideia de ter os alunos na escola até aos 18 anos, promover equidade e igualdade de oportunidades e uma educação escolar que acomode a diversidade dos alunos só atrapalha.

Mas é mesmo isto que se diz. Em que ficamos?

Finalmente, o quadro regulador da constituição das turmas aponta “critérios de natureza pedagógica definidos no projecto educativo” da escola, devendo ser “respeitada a heterogeneidade das crianças e jovens, podendo o director, ouvindo o Conselho Pedagógico, atender a outros critérios que sejam determinantes para a promoção do sucesso e redução do abandono escolar”.

Pois, falta a regulação.

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