segunda-feira, 23 de novembro de 2020

DAS HUMANIDADES

 Gostei de ler o texto de Pacheco Pereira na sua habitual página do Público, “O recuo da cultura das humanidades e a democracia” que merece leitura e reflexão

“(…)

Vamos, por isso, usar uma definição comum de vulgar de “humanidades”, para não complicar, que contém a literatura, a arte, a música, o direito, as ciências sociais, a história, num contexto de aproximação ao “homem” que desde a Renascença e o Iluminismo tem traços comuns. Inclui uma ideia da fragilidade da vida humana, do serviço do “bem comum”, dos direitos humanos, da liberdade, a começar pela mais importante historicamente, a liberdade religiosa, do valor da igualdade, do papel da educação na luta contra a servidão, na emancipação e dignificação do trabalho, na recusa da violência, do respeito pelas escolhas de género e da aceitação de que cada um é livre de viver a vida que quer desde que não seja à custa da liberdade de outrem.

(…)”

Pensando mais na realidade portuguesa, neste aspecto também não é muito diferente de outras, já aqui tenho abordado esta questão preocupante, a desvalorização das ciências sociais e das humanidades.

Numa das referências parti de uma peça na imprensa sobre a questão sobre a questão da escolha de formação no ensino superior na área das Ciências Sociais e das Humanidades questionando a sua utilidade e empregabilidade. Foram inquiridos alguns jovens que defenderam com entusiasmo a sua opção pela formação nesta área apesar das dificuldades que sabem existir.

No entanto e na verdade, têm emergido nos últimos anos discursos que de forma mais explícita ou implícita desvalorizam o papel desta área.

Mesmo ao nível da investigação científica e do seu financiamento a área das Ciências Sociais e Humanidades foi arrasada pela crática negrura que se abateu sobre o tecido científico e de investigação em Portugal.

A visão passou a centrar-se quase que exclusivamente na empregabilidade e “utilidade” destas áreas científicas, as Ciências Sociais e as Humanidades.

As Universidades tendem a ser vistas uma escola profissional para as empresas o que assenta num equívoco tremendamente perigoso, confundir desenvolvimento tecnológico com desenvolvimento científico.

Este equívoco esteve claramente presente, embora não se esgote, na política de Crato para a ciência e investigação com o esmagamento das Ciências Sociais e das Humanidades ou em discursos como o do então Ministro da Economia, Pires de Lima quando afirmava com preconceito e ignorância que é preciso que a investigação (maioritariamente desenvolvida enquadrada pelas universidades) "se traduza em produtos, marcas e serviços que possam fazer a diferença no mercado e devolver à sociedade o investimento que fizemos".

Tal entendimento mostra mais uma vez a ignorância sobre a ciência, o seu desenvolvimento e o papel fundamental no desenvolvimento das sociedades, eliminando pura e simplesmente as ciências sociais e humanidades, evidentemente inúteis por não criarem "produtos, marcas e serviços".

É evidente que a empregabilidade e a transferência de conhecimentos para o tecido económico são dimensões a considerar na organização da oferta formativa e na investigação, mas existe um conjunto vasto e imprescindível de formação universitária e de investigação de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia, da história ou nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário e social moderno e que cumpra o seu papel de construção e divulgação de conhecimento e desenvolvimento em todas as áreas.

As universidades não podem ser o departamento de formação profissional das empresas.

Uma sociedade com gente formada e a investigar nestas áreas, ciências sociais e humanidades, é uma sociedade mais desenvolvida.

Neste sentido, insisto na ideia de que em todos os cursos de ensino superior deveriam existir créditos obrigatórios para áreas como ética, filosofia e história.

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