O DN de hoje dedica uma peça e referência em 1ª página à
situação de degradação e falta de perspectiva de futuro do histórico Arsenal do
Alfeite, aqui na margem certa do Tejo. Fruto de desinvestimento político e da
incompetência nas decisões na gestão da empresa a situação é negativa e a sobrevivência parece em risco num país não pode prescindir da sua relação com mar onde se joga, também, o nosso futuro.
A leitura deixou-me preocupado, pelas consequências ao nível
do emprego, por mais uma machadada na indústria naval portuguesa, mas,
sobretudo, muito triste e com uma nostalgia que me levou a estas notas.
Numa das maiores rotundas da minha terra, sim também temos
muitas rotundas, foi instalado há já alguns anos um conjunto escultórico de grandes dimensões
dedicado à construção naval que, a par da indústria corticeira, sempre foi uma
das actividades emblemáticas do concelho de Almada, destacando-se o extinto
estaleiro da H. Parry & Son, em Cacilhas, o Arsenal do Alfeite e a mais
recente Lisnave.
Na minha família, o meu pai como serralheiro, o meu sogro
como caldeireiro naval e vários outros membros da família, para além de muita
gente conhecida e amigos, uma boa parte já com a narrativa terminada, foram
operários da construção naval pelo que aquele monumento que acho bonito e qualquer
referência ao Arsenal acordam ressonâncias muito lá para trás no tempo.
Um dos seus elementos de maior dimensão representa um barco
no plano, aprendi desde miúdo que o plano é o local seco, não uma doca,
inclinado, onde os barcos são construídos ou reparados. Quando prontos,
procedia-se ao seu lançamento à água, partiam-se as cordas que seguravam o
barco no plano e este deslizava, ganhava velocidade e entrava na água
levantando um enorme cachão e ficava a flutuar ganhando ou retomando a sua condição de
barco.
Nos idos de 60 o meu pai tentava, por vezes, conseguia,
com a conivência dos guardas que eu, miúdo, umas vezes só, outras com o meu
primo, passasse o mítico Portão Verde do Arsenal do Alfeite para assistir ao
lançamento de um barco à água.
Nem dormia, era algo que me impressionava e ainda hoje está
bem vivo na memória, no lado das coisas mais bonitas que carrego na mochila já
bem composta pela estrada andada.
Lamentavelmente, hoje estão a acabar com os lançamentos dos
barcos à água na nossa costa.
Parece que toda a nossa terra, ela própria, se transformou
num enorme barco, à deriva.
Deixem-nos continuar a lançar os barcos à água.
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