No Expresso está uma referência a um trabalho de
investigadores da Nova School of Business and Economics sobre a constituiçãodas turmas nas escolas públicas. Os dados confirmam uma realidade conhecida e
assumida.
Foi analisada a informação relativa à origem socioeconómica
(estudantes que recebem apoio da acção social escolar), à naturalidade (aluno
ou pai nascidos no estrangeiro) e percurso académico (se já chumbou alguma vez)
sobre todos os alunos matriculados no sistema de ensino público 2006/2007 e
2016/2017.
Num número significativo de escolas, um quarto, o trajecto
académico dos alunos é um factor determinante para a sua colocação numa turma.
Em média, do 5.º ao 9.º ano, 20% dos alunos com pelo menos
um “chumbo” são colocados em turmas de “repetentes” embora a situação varie de
escola para escola, em 25% esta decisão é aplicada no máximo a 10% dos alunos
com retenções e em 25% envolve um terço dos alunos com repetência.
As dimensões origem socioeconómica e naturalidade têm menor
peso que a retenção na decisão sobre a colocação dos alunos.
Muitas vezes aqui tenho referido esta questão, os critérios
de constituição das turmas e a sua eventual relação com o desempenho dos
alunos, na escolha e nos efeitos.
Começando pelos efeitos.
Como é conhecido está em desenvolvimento o Programa Nacional
de Promoção do Sucesso Escolar iniciado em 2016 no âmbito do qual 663
agrupamentos definiram planos de redução do insucesso.
Em Fevereiro foi divulgado o relatório “Acção Estratégica
das 50 escolas que mais diminuíram o insucesso escolar no ensino básico”
elaborado pela equipa do Programa.
Como seria de esperar de um programa de promoção do sucesso
escolar o insucesso está em queda nos agrupamentos envolvidos e este relatório
analisou as 50 escolas com melhores resultados.
Registando o abaixamento do insucesso temos a questão mais
curiosa. A maioria das escolas que mais reduziram o insucesso recorre à criação
de Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada o que parecendo significar
“grupos de nível” não significa, é mesmo um Grupo Transitório de
Heterogeneidade Mitigada, uma designação notável e um excelente exemplo de
flexibilidade conceptual.
Também registei na altura a defesa que vi fazer deste novo
enunciado assentando num estranho entendimento de que a “heterogeneidade
mitigada” promove e defende a heterogeneidade natural e óbvia constituindo-se
aliás, como uma ferramenta de educação inclusiva, outro exemplo de
flexibilidade conceptual.
Por outro lado, o recurso a esta “modalidade” parece ser
apresentado como variável explicativa para o maior sucesso o que não consegui
encontrar no Relatório. Aliás, como na altura referi, nada no Relatório, como
na literatura, sustenta uma relação de causa efeito entre Grupos Transitórios
de Heterogeneidade Mitigada e desempenho escolar.
Como disse, creio ser bastante improvável que a variável
“homogeneidade” de um grupo de alunos (ainda que mitigada) possa ser a
“explicação” dos bons resultados pois é algo que não existe, não se conhecem
dois alunos iguais.
Na verdade, se a homogeneidade fosse uma ferramenta de
sucesso, todas as turmas que existem em muitas escolas constituídas por alunos
“descamisados”, maus alunos, repetentes, malcomportados, desmotivados, etc.,
teriam de imediato sucesso, seriam homogéneas.
Na altura e partilhando a experiência pessoal, referi que eu
próprio, entre o 1º ano do liceu e o 7º ano, frequentei quase sempre turmas de
"heterogeneidade mitigada", também conhecidas por "turmas de
repetentes e/ou indisciplinados" porque ainda não tinha sido inventada a
inovação.
A verdade é que os alunos não têm sucesso significativo só
por estar juntos por nível de desempenho, comportamento ou condição
socioeconómica. Esta medida já existiu em tempos com as turmas de nível ou com
outras designações e quem conhece a realidade sabe que os resultados dos alunos
"maus" continuaram, genericamente maus, o povo diz junta-te aos bons
e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior do que eles.
Provavelmente ainda alimenta de forma significativa o processo de tomada de decisão agora evidenciado.
Mais uma vez, o que fomenta o sucesso de alunos em situação
mais vulnerável não é estar ao lado de alunos as mesmas características.
O que fomenta o sucesso é mais e melhor apoio a alunos e a
professores.
O que fomenta o sucesso é um grupo de alunos com uma
dimensão razoável que permita mais e melhor diferenciação da intervenção em
sala de aula tal como a evidência sustenta.
O que fomenta o sucesso é o recurso a dispositivos como o
"par pedagógico" ou outras medidas, apoios de natureza tutorial, por
exemplo. Aliás, constam do elenco de metodologias no Programa Nacional de
Promoção do Sucesso Escolar e que algumas escolas acederam a recursos que lhes
permitem ter mais docentes. Outras não, como sabemos.
Que se generalize esta tipologia de medidas através dos
Projectos das escolas e menos através de sucessivos e inúmeros Projectos,
Programas, Experiências, etc., vindos de fora das escolas e teremos melhor
trabalho e mais sucesso de alunos e professores.
Não é sustentável afirmar que a variável que contribuiu para
os bons resultados atingidos é a homogeneidade (mitigada ainda assim) das
turmas.
É ainda perigoso que esta leitura possa legitimar, tal como
trabalho Nova parece comprovar, decisões na constituição das turmas, guetizando
alunos sem resultados se as outras variáveis não forem consideradas. Como
muitas vezes não são. Aliás, a caixa de comentários da imprensa quando esta
questão é abordada é elucidativa.
Quanto ao impacto, parece óbvio que a diversidade é sempre
preferível a uma falsa homogeneidade. As atitudes de discriminação negativa não
apresentam nenhuma espécie de vantagem pessoal ou social, guetizam,
estigmatizam e promovem quer nos bons, quer nos maus, uma relação desconfiada e
tensa facilitadora de problemas.
As dificuldades escolares gerem-se com apoios e recursos que
terão certamente de ser diferenciados, mas não podem, não devem, implicar a
criação de “guetos” para os “maus” ou de "condomínios" para os
"bons".
Aliás, não deixa de ser curioso, para ser simpático, que na
Conclusão do Relatório se enuncia como uma fragilidade os “Constrangimentos
decorrentes da heterogeneidade do público escolar decorrente do alargamento da
escolaridade obrigatória para 18 anos e da aplicação de medidas promotoras de
equidade e inclusão e educativas;”
Notável. De facto, esta ideia de ter os alunos na escola até
aos 18 anos, promover equidade e igualdade de oportunidades e uma educação
escolar que acomode a diversidade dos alunos só atrapalha.
Mas é mesmo isto que se diz. Em que ficamos?
Finalmente, o quadro regulador da constituição das turmas aponta
“critérios de natureza pedagógica definidos no projecto educativo” da escola,
devendo ser “respeitada a heterogeneidade das crianças e jovens, podendo o director,
ouvindo o Conselho Pedagógico, atender a outros critérios que sejam
determinantes para a promoção do sucesso e redução do abandono escolar”.
Pois, falta a regulação.