segunda-feira, 11 de maio de 2020

NÃO, AS CRIANÇAS NÃO VÃO REGRESSAR ÀS CRECHES


Sobre o anunciado regresso das crianças às creches algumas notas.
Não sou um dos muitos milhares de especialistas em pneumologia, virologia, infecciologia, saúde pública, gestão de crises, epidemiologia, etc., que emergiram em Portugal nos últimos meses. Sou alguém que desde sempre “mora” no mundo da educação e que, naturalmente, está atento às suas problemáticas.
Sou um cidadão que procura estar informado e para o fazer tenta a aceder a fontes que mereçam confiança e com estatuto confirmado, seja na comunicação social, seja na comunicação em ciência.
Do que vou percebendo e em síntese parece claro que as crianças estão menos sujeitas ao contágio deste novo Corona vírus, que quando contagiadas a situação é menos grave que em adultos e, sobretudo, nos mais velhos e que existem dúvidas sobre a sua capacidade de contágio razão ela qual existem diferentes visões sobre o desconfinamento dos mais pequenos.
Compreendo também que a manutenção das crianças, agora nas crianças em idade creche, tem implicações ao nível económico, rendimento das famílias, e no mercado de trabalho o que justifica a pressão para o desconfinamento dos mais novos e, portanto, dos pais.
Compreendo que a situação de confinamento implica riscos no nível de bem-estar psicológico de todas as pessoas incluindo os mais pequenos e que quanto mais prolongada for mais se avolumam os riscos.
Também tenho a convicção que a creche não é uma estrutura de “guarda” e “acolhimento” de crianças enquanto os pais trabalham. A creche é, deve ser, um espaço carregado de intencionalidade educativa em que se proporcionam às crianças experiências muito importantes e fortemente contributivas para o desenvolvimento das crianças.
Do que me é dado perceber as orientações da DGS para o acolhimento das crianças nas creches levantam-me dúvidas.
Primeiro da sua exequibilidade em muitas instituições considerando espaços, equipamentos e recursos humanos para além da eficiência no controlo do risco embora saiba que não existe risco zero em qualquer actividade humana.
Em segundo lugar, porque o seu cumprimento, a conseguir-se do que duvido, parece-me comprometer fortemente a intencionalidade educativa que deve existir nas creches, brincar, trocar, partilhar, interagir, realizar tarefas com e não ao lado, etc. Acresce que o nível de desenvolvimento e autonomia das crianças não parece compatível com muitos aspectos das orientações. São também desta natureza as preocupações dos profissionais que se vão escutando ou lendo.
Acresce que o contacto físico está muito presente e é uma ferramenta imprescindível de trabalho e relação. A festa que acalma, o colo que tranquiliza, o toque, o abraço que “cura” magicamente a mazela da queda na brincadeira, etc. Como trabalhar e comunicar com crianças até aos três anos com base no distanciamento físico e com máscara?  Não me parece fácil.
Se me disserem que não é possível manter por muito mais tempo as crianças e os pais em casa, que os problemas de natureza económica para famílias e comunidades são insustentáveis, que os riscos psicológicos do confinamento são muitos, que é importante que regressemos a alguma “normalidade”, que os riscos estão tão controlados quanto possível, posso eventualmente discordar ou ter dúvidas, mas compreendo.
Mas não me digam que as crianças vão regressar à creche, esta creche que parece estar a ser desenhada, é um outro espaço de confinamento e em que o confinamento dificilmente será conseguido. É o que não queremos que a creche seja, um espaço para as crianças estarem “guardadas” enquanto os pais voltam ao trabalho pois é preciso que o façam.
Sim pode ser preciso que assim seja, mas sejamos claros, por favor. A clareza é amiga da confiança e, mais do que nunca, precisamos de confiança.
A ver vamos como tudo se desenrola.

4 comentários:

Rui Ferreira disse...

Concordo. O texto vem na senda do apontamento de Ricardo Araújo Pereira, ontem, dia 10 de maio, no seu programa.

Zé Morgado disse...

Não vi.

Juja disse...

Temos somente que assumir e defender com responsabilidade, perante tudo e todos, a nossa missão na educação de infância. A creche é e sempre será um contexto educativo, onde juntos podemos pensar nas estratégias para minimizar os riscos, mas em momento algum negar este espaço, por excelência, de relações afetivas.

Zé Morgado disse...

Olá Juja, é isso que espero e desejo que aconteça, mas dúvidas são muitas.