sexta-feira, 29 de maio de 2020

DAS AEC


Há uns dias o Público divulgava dados Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência que com base num inquérito feito às escolas públicas mostraram que 2018/2019 14,6% dos alunos do 1º ciclo, 46644, não participaram nas Actividades de Enriquecimento curricular, na maioria dos casos por decisão dos pais e encarregados de educação.
Na actual situação a reflexão sobre as AEC é de uma outra natureza, mas quando se começa a reflectir na escola pós-pandemia talvez tenha sentido incluir na reflexão sobre a escola esta questão. Algumas notas que retomo de textos e intervenções que tenho realizado.
As AEC emergem, (não só, mas sobretudo) como resposta aos constrangimentos que os estilos de vida actuais colocam às famílias para assegurar a guarda das crianças em horários não escolares. A resposta tem sido prolongar a estadia dos miúdos nas instituições escolares radicando no que considero um equívoco, o estabelecimento de uma visão de “Escola a tempo inteiro” em vez de “Educação a tempo inteiro”.
Ainda em termos prévios e como sempre tenho defendido seria também importante que se alterassem aspectos como a organização do trabalho, verificada em muitos países, que minimizassem as reais dificuldades das famílias recorrendo, por exemplo e quando possível, a teletrabalho ou à diferenciação nos horários de trabalho que em alguns sectores e profissões é possível. Talvez alterações desta natureza possam emergir como resultado da situação que estamos a atravessar.
Também poderíamos explorar outras respostas de natureza comunitária que pudessem ser uma alternativa ao prolongamento significativo da estadia na escola, pode atingir mais de 50 horas semanais se os pais necessitarem, considerando horário curricular, AEC e Componente de Apoio à Família.
É preciso o maior dos esforços, equipamentos e recursos humanos qualificados para que se não transforme a escola numa “overdose” asfixiante para muitos miúdos. Será ainda importante verificar como é gerida a situação e participação de alunos com NEE nestas actividades.
É verdade que existem boas práticas neste universo e que devem ser sublinhadas e divulgadas mas também todos conhecemos situações em que existe a dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular. Acresce que boa parte das escolas, como é natural, têm os seus espaços estruturados sobretudo para salas de aula. Espaços para prática de actividades desportivas ou de ar livre, expressivas, biblioteca, auditórios, etc., etc., a existirem dificilmente poderão ser suficientes para uma ocupação da população escolar alternativa à sala de aula.
Este obstáculo acaba por resultar na réplica de actividades de natureza escolar com baixo ou nulo benefício e um risco a prazo de desmotivação, no mínimo.
Por outro lado, tanto quanto o tempo excessivo de estadia na escola, merece reflexão o risco e as implicações da natureza “disciplinarizada” desse trabalho, ou seja, organizado por tempos, de forma rígida próxima do currículo escolar.
A enorme latitude de práticas que se encontram actualmente, desde o muito bom ao muito mau, sustentam a inquietação a que acresce o modelo a definir para estruturar estas respostas, ou seja, sendo possível no quadro actual, que entidades externas as desenvolvam como assegurar a responsabilidade da escola e a sua autonomia?
Na verdade, embora compreendendo a necessidade da resposta seria desejável que, tanto quanto possível se minimizasse o risco de em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro com qualidade, preenchido na escola ou em espaços e equipamentos da comunidade, assistirmos à definição de uma pesada agenda de actividades que motiva situações de relação turbulenta e reactiva com a escola.
Sendo optimista vamos esperar que tudo corra bem e que as boas práticas e experiências prevaleçam.
Nota final. Não referi, mas não esqueço a necessidade de reflectir sobre o modelo de organização das AEC, designadamente o "outsourcing" com situações de pagamento de "salários" indignos a gente qualificada, e a gestão por vezes pouco transparente de recursos humanos ao serviço de pequenos poderes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nunca se esqueçam:
As AEC's são um trampolim para muitos professores chegarem ao ensino, e se estas acabarem, o problema da falta de professores num futuro muito muito próximo fica ainda mais complicado.
Quando se fala que os alunos ficam em sala depois do horário letivo é não conhecer a realidade...depois de mais de 10 anos em AEC'S, com horários a variar entre as 9h e 21h semanais, dezenas de escolas e milhares de alunos posso afirmar que as AEC'S são lúdicas, são realizadas fora da sala, na biblioteca, nos espaços exteriores nas várias disciplinas.
Se muitos alunos não frequentam as AEC'S deve-se a muitos factores. Quanto a mim o mais grave acontece quando os titulares de turma são os primeiros a dizer aos pais para não inscrever os alunos. Ou mesmo FECHANDO os armários da sala para os professores das AEC'S não terem material...(se eu vos contasse o que já passei com alguns...que pensam que são os donos da sala)
O Inglês, a música, o xadrez a natação por exemplo no meu tempo de criança eram pagas e bem pagas, daí nunca as ter tido. Hoje as crianças tem estas atividades grátis.
POR FAVOR não me venham falar que os meninos ficam cansados com muitas horas bas escola. Se ficassen cansados os EE não os levariam a partir das 18h para o futebol, karaté ou ballet só porque é chique e o vizinho também anda. O que cansa os meninos é a PRESSÃO que é lhe é colocada para serem os melhores no futebol ou no karaté (inclusivé tratar mal os treinadores à frente dos filhos).
Deixem os meninos se divertirem nas AEC'S.... Perguntem se eles gostam....
E mais não digo...

JG disse...

Muito bom. Daí a importância de não empobrecer o curriculum, garantindo a formação integral dentro da oferta educativa para todos. Já agora, não deixemos desregular os horários das crianças ao sabor da desregulação dos horários de trabalho dos pais.