Foi ontem divulgado mais um
Relatório da OCDE sobre o nosso sistema educativo, “Reviews of School Resources: Portugal 2018”. A informação é vasta e justifica reflexão. Alguma
imprensa divulgou uma referência à “manipulação” por parte das escolas do
número de alunos com necessidades especiais para diminuir o número de alunos
por turma conforme o quadro normativo. Na página 107 do Relatório encontra-se:
Aliás, esta prática de “gaming”
(cito do relatório) justificará o aumento do número de alunos considerados com
necessidades especiais nos últimos anos (DGEEC, DGE e DGESTE).
Trata-se, do meu ponto de vista, de
uma história mal contada.
É óbvio o aumento de número de
alunos considerados como tendo necessidades especiais mas o eventual “gaming” não resultou da acção das escolas,
resultou da acção da tutela a partir da publicação do DL 3/2008 o anterior enquadramento
legislativo relativo a esta questão.
De facto, por efeito de filtros
de uma natureza discutível na disponibilização de apoios e recursos a alunos
que evidenciam dificuldades, com determinação sem bases sólidas de tectos na
percentagem de alunos com necessidades especiais que as escolas poderiam apoiar
e que eram validados por Comissões que no seu superior entendimento redefiniam
em visistas ás escolas o número de alunos apoiados.
Isto acontecia porque o DL 3/2008
previa uma figura inaceitável, a “elegibilidade” dos alunos para apoio. Os que
não eram elegíveis apesar das dificuldades percebidas por professores, técnicos
e pais não teriam apoio no âmbito da chamada educação especial. Aliás, na maioria
das vezes os “não elegíveis” não tinham qualquer tipo de apoio.
Deste cenário resultou que o
número de alunos com apoio educativo era muito menor do que o número de alunos
que dele necessitavam e das estimativas de necessidades com base em critérios
internacionalmente aceites. Esta recorrente situação foi recorrente objecto de
análise quer pela Inspecção-Geral de Educação, quer pelo Conselho Nacional de
Educação como tantas vezes aqui referi e mostra como nos anos imediatamente a
seguir a 2008 o número de alunos em apoio é bastante menor que nos anteriores. Vejamos
agora porque subiu.
Por pressão dos professores e
pais confrontados com muitos alunos a necessitar de ajuda começou a
verificar-se progressivamente que, mesmo com os normativos desfavoráveis que
filtravam o acesso a apoios, as escolas foram tentando com os recursos
disponíveis providenciar algum tipo de ajuda o que contribui para esta subida
fortíssima de alunos com NEE em apoio nas escolas portuguesas. Dito de outra
forma, muitas escolas para poderem garantir algum tipo de apoio aos alunos que
dele necessitavam “assumiram” que tinham necessidades especiais o que produziu
um aumento ao longo dos últimos anos dado que também o “policiamento” se
atenuou.
No entanto, este aumento não
significou, não conheço estudos que o suportem, uma alteração com o mesmo grau
de significado no padrão e quadros de necessidades dos alunos no que se refere,
sublinho, a situações de NEE apesar da confusa e pouco sólida definição e
conceitos que os normativos utilizam. A estranha diferença entre o carácter
permanente ou “transitório(!)” das NEE que um aluno possa evidenciar é apenas
um exemplo do que estava no quadro normativo.
Por outro lado, um sistema
educativo que se tornou altamente “normalizado” (currículos extensos,
prescritivos, assentes em centenas de metas curriculares por disciplinas),
competitivo, selectivo (“darwinista”), assente em filtros sucessivos, os
exames, os rankings, os incentivos às escolas com sobrevalorização da avaliação
externa dos alunos, etc. acaba, necessariamente, por se tornar incapaz de
acomodar as diferenças entre os alunos, nem sequer estou a falar de NEE, e
induz um aumento do número de alunos que podem sentir dificuldade em acompanhar
o “ritmo” do trabalho.
Mais uma vez, por inexistência de
recursos de outra natureza, muitas escolas providenciam alguns apoios a esta
franja de alunos através dos dispositivos de educação especial o que também
contribui para o aumento do número de alunos apoiados considerados como
apresentando NEE.
Tudo isto considerado surge o que
considero a questão central, que apoios e recursos estão a ser disponibilizados
a alunos, professores e pais? Serão suficientes, quer em docentes (apesar do
aumento verificado), técnicos (terapeutas e psicólogos, por exemplo viram
reduzido o seu número) ou assistentes operacionais? Serão adequados? Contribuem
para o sucesso real dos alunos considerando todas as suas capacidades e
competências? São informadas por princípios de educação inclusiva cujo critério
fundamental é a participação, tanto quanto possível, nas actividades comuns das
comunidades escolares?
Actualmente, temos um novo
quadro, o DL 54/2018, relativo à educação inclusiva e que, do meu ponto de
vista bem, admite que qualquer aluno pode ter algum tipo de necessidade e, portanto,
algum tipo de apoio.
Assim e genericamente, não há “manipulação" ou “gaming” das escolas, existiu incompetência e manipulação por parte da tutela. A inquietação de professores e pais é como responder de forma
adequada e exigente, sim devemos ser exigentes, às necessidades e dificuldades
educativas ou escolares de todos os alunos que em qualquer circunstância as
possam evidenciar, independentemente da sua natureza. Aliás, a necessidade de
uma avaliação educativa sólida e competente das reais necessidades ou
dificuldades é o primeiro passo para uma resposta adequada.
1 comentário:
Na minha humilde opinião, não chegam nem recursos nem professores...
Como podemos pensar o ensino sem os devidos apoios? Para os alunos? Com a entrada em vigor deste decreto, que diz o que diz, não é exequível o que se pretende, não há forma de o fazer sem recursos, tanto técnicos como pedagógicos... estamos habituados a fazer de uma forma, formatados desde sempre para um fim... agora mudam as regras, não concordo nem discordo, mas a operacionalização é confusa, nem todos a compreendem... muito mais teria a dizer...
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