O Mário era provavelmente o miúdo mais conhecido na escola, lamentavelmente por razões negativas. Tinha doze anos, nem sequer era muito crescido, era até meio franzino mas sempre de uma agitação imparável. Nas aulas pouca atenção dava ao que se passava e as tarefas solicitadas ficavam invariavelmente por realizar. Quase diariamente arranjava problemas que nas mais das vezes acabavam com a saída da sala e uma conversa, mais uma, no gabinete da direcção da escola. Desconhecia regras e limites e nos intervalos eram frequentes os episódios de agressividade. A escola já tinha recorrido a suspensões sem efeitos visíveis.
Um dia destes na sala de professores comentava-se novo episódio que em que o Mário se tinha envolvido e alguém rematou "Este miúdo é o diabo". O Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros, estava por perto e comentou naquele jeito tranquilo, "não é o diabo mas tem a alma assombrada".
E acrescentou, "Eu conheço o Mário há alguns anos e a narrativa dele tem vindo a escrever-se num mundo estranho. A violência é a regra e o tudo é o limite. Desconhece o bem-querer e sobra-lhe o mal haver. A família dele é um grupo de pessoas que por vezes coexistem na mesma casa onde se destratam entre si e cada um trata de si. Os vários irmãos carregam uma história igual à do Mário e os pais, isto é as pessoas que o fizeram, já não vivem, sobrevivem. Tudo aquilo é na verdade um mundo assombrado, cheio de sombras, sem sol.
Como sabem, é dos mundos assombrados que quase sempre vêm as almas assombradas, como a do Mário, cheia de sombras, em sol".
3 comentários:
A família é vista pelos jovens como um lugar de proteção e cuidados, podendo ser considerada um sistema que se autogoverna através de regras que definem o que é e o que não é permitido.
Quando a família não funciona nestes parâmetros quem sofre são os jovens.
Pergunta que se impõe: TRATAR A FAMÍLIA OU O INDIVÍDUO?
Parece-me que com esta pergunta estou a plagiar o escritor José Morgado...
Parece-me também que é uma verdade de LA PALISSE, ou seja quase ridícula.
Saudações
De facto, ninguém é uma ilha. Mas muitos miúdos vivem sós, em família.
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