segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

E NÃO SE PODE FAZER UMA ATENÇÃOZINHA?

Na primeira página do CM titula-se que a fuga ao fisco representa qualquer coisa como 14 mil milhões de euros e a economia paralela corresponde a 24% do PIB. Estes dados podem, de acordo com especialistas, ser potenciados em contexto de crise. Neste contexto faz também sentido lembrar que os últimos indicadores do Barómetro Global da Corrupção no âmbito da Transparency International mostram que 83% dos portugueses acham que piorou a questão da corrupção e 75% não acredita na eficácia do combate.
Este outro lado da economia que envolve desde a fuga de capitais para paraísos "offshore" à habilidade individual da ausência de recibo no dia a dia, está completamente enraizado, é apenas uma questão de escala.
Este funcionamento quase que faz parte da nossa cultura, a do "dar um jeitinho", "fazer uma atençãozinha". Diversas vezes aqui tenho me referido a essa espécie de traço da nossa cultura cívica "a atençãozinha" ou à sua variante "dar um jeito". Trata-se de um fenómeno, um comportamento generalizado e com o qual parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre "desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, sentimos todos algo de muito significativo, acreditamos que não existe vontade política de combater a corrupção. A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e toda a relação do dia a dia com a "atençãozinha" à recepcionista que nos passa para a frente na lista de espera ou ao funcionário de quem esperamos que possa dar um "jeito", dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria. Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania. Estarão lembrados que há algum tempo atrás foram divulgados estudos evidenciando a nossa atitude tolerante para com a corrupção.
Certamente que poderíamos viver sem a "atençãozinha" ou o "jeitinho", mas não era a mesma coisa.

2 comentários:

Rita disse...

Parabéns, ler estes textos faz-nos para e pensar. É um momento diário em que nos debruçamos sobre a nossa sociedade e a sua complexidade. Se todos lessemos este textos seriamos com certeza um povo mais civilizado! De facto temos de acima de tudo ser civilizados! Facilmente se vê a falta de civismo da nossa sociedade, basta pegar no carro e dar uma voltinha pela cidade!

Zé Morgado disse...

Agradeço, a ideia é mesmo procurar contribuir para uma atenta inquietude. Apareça sempre.