Andava a pensar há muito tempo no passo que teria de dar e ao qual tenho vindo a fugir com medo dos tempos de espera em repartições públicas e algumas experiências pouco positivas. Precisava de ter o cartão de cidadão. Já quase me sentia um não cidadão à beira da inexistência legal. Decidi-me e, devo dizer, fiquei perplexo. Liguei para um número nacional na 4ª feira à tarde e perguntei se poderia agendar um pedido de cartão de cidadão em Almada para o dia seguinte. Deram-me a escolher várias hipóteses de horas e ficou marcado. Na repartição, à hora marcada chamaram-me, atenderam-me e estou a aguardar o envio da carta pin (é assim que se chama) que me permite retomar uma existência plena. Como disse, as minhas experiências anteriores e mais frequentes não deixavam antecipar tal excelência e fiquei contente.
Mas fiquei ainda mais contente porque tendo chegado um pouco mais cedo assisti ao nascimento de uma cidadã, cena que não posso deixar de partilhar.
Uma mãe jovem transportava uma criança de colo, a Sara, foi fácil perceber, toda a gente chamava a Sara, três ou quatro meses de vida, uma bandolete com um bonequinho no alto da cabeça e uma chucha que sempre que caía da boca provocava um ruidoso protesto da Sara. A Sara estava a tratar do cartão de cidadã, eu já tinha uns cartões que atestavam a minha existência mas a Sara estava a nascer, a funcionária disse-me depois que era melhor tirar o cartão do que a velha cédula. Também acho, há lá cosia que se compare ao cartão de cidadão.
O problema é que a Sara, provavelmente por ainda não ter percebido o transcendente significado da circunstância, não colaborava, agitava-se, chorava e o grande problema era a imprescindível fotografia. Nesta altura e após várias tentativas o espectáculo era interessante. A Sara ao colo da mãe virada para máquina, a mãe com uma fralda a tapar a cabeça para não aparecer na fotografia, a funcionária a dirigir diligentemente a coreografia, uma outra figura jovem, presumo que a tia da Sara a cantar-lhe para que ela se aquietasse. Uma outra figura jovem, o pai da Sara, por sugestão da funcionária subiu para uma mesa atrás da máquina e espreitando por uma janela, fazia "macaquices" que distraíssem e acalmassem a Sara o tempo suficiente para uma fotografia que lhe fizesse justiça no cartão do cidadão. A cena foi repetida algumas vezes.
Quando a Sara e toda a tribo que a acompanhava saíram pensei como é bonito e trabalhoso o nascimento de uma cidadã.
Entretanto chamaram-me.
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