A propósito do trabalho no Público sobre as potenciais consequências na já baixa taxa de natalidade que os cortes nos abonos de família podem implicar, algumas notas. Portugal é na Europa a 15 o penúltimo país em investimento nos apoios às famílias. O nosso valor representa 1,2% do PIB enquanto a média é de 2,1%. É certo que os tempos são de crise e de dificuldade na despesa pública mas considerando o inverno demográfico e as dificuldades que muitas famílias enfrentam que, muitas vezes, são foco de desestabilização, o investimento em apoios às famílias seria seguramente um investimento reprodutivo, o melhor dos investimentos.
Neste universo, sabemos, já o referi várias vezes aqui no Atenta Inquietude, que os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
As mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa. Além disso, não pode esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Parece também importante a existência de serviços, por exemplo, nos Centros de Saúde de apoio e mediação familiar. É importante combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Pode parecer disparate mas acho que se poderia investir na construção de redes comunitárias de apoio e guarda das crianças, aproveitando, por exemplo, os seniores que estão sós, desocupados e cheios de vontade de ser úteis a “filhos” e a “netos” que deles precisem. Este caminho parece bem mais eficaz que a atribuição de 200 € para a criação de contas a prazo mobilizáveis após 18 anos.
Do meu ponto de vista, o corte nos abonos de família, independentemente do impacto real em cada agregado familiar representa fundamentalmente um sinal errado em matéria de apoio às famílias e a projectos de vida que incluam filhos.
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