sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A ENVERGONHADA POBREZA QUE NOS ENVERGONHA

No âmbito de uma conferência sobre a Pobreza e a Exclusão, noticia o Público, um especialista do ISEG sustenta que cerca de 171 000 pessoas que devido à sua situação teriam acesso ao Rendimento Social de Inserção, não o requerem pela vergonha sentida pelo estigma da pobreza. O RSI tem sido alvo de muitas análises e algum discurso mais demagógico e populista tem, do meu ponto de vista, “diabolizado” o RSI, embora todos saibamos dos abusos que se verificam e que, necessariamente, deveriam ser prevenidos e eliminados através de uma fiscalização eficaz.
No entanto, devido ao volume crescente de situações de pobreza decorrentes, sobretudo, de situações de desemprego que afectam milhares de pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos surgem muitíssimos casos do que se entende designar por “pobreza envergonhada”, ou seja, pessoas que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, não tenho dúvidas. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas. Não sei discutir se os famosos investimentos em grandes projectos têm ou não valor reprodutivo e gerador de riqueza, mas tenho a certeza de que existe um fortíssimo desperdício na gestão da coisa pública, que existe uma escandalosa situação de privilégio em muitíssimas instituições privadas, uma fiscalidade protectora da banca e investimentos de duvidosa necessidade e justificação.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera. A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

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