A peça de de hoje no Público sobre o ensino profissional em que se revela qualidade do trabalho desenvolvido pela Escola Tecnológica do Litoral Alentejano em Sines, instituição privada cujos alunos não evidenciam muitas dificuldades na entrada no mercado de trabalho, e o que tem vindo a acontecer nesta matéria no sistema público, levam-me a retomar algumas ideias já aqui expostas em diferentes ocasiões.
No universo da educação em Portugal depois de Abril de 74, instalou-se uma das mais generosas e ingénuas ideias que o tempo das utopias gerou, todos os indivíduos deveriam ter formação universitária. Esta ideia, de trágicas consequências, quis combater a marca de classe presente nas escolhas entre liceu e escolas industriais e comerciais e, sobretudo, o baixo número de alunos que continuavam a estudar. O resultado foi criar um percurso que todos deveriam seguir e que só terminaria no fim do ensino superior universitário.
Com o aumento da escolaridade obrigatória e o aumento exponencial do número de alunos começou a perceber-se o erro trágico de um só percurso, muitos alunos chumbavam e abandonavam o sistema sem qualquer tipo de qualificação. Aliás, mesmo completando o ensino secundário, o 12º ano, as competências profissionais eram nulas, isto é, o 12º apenas ensinava, e mal, a continuar a estudar, coisa que entretanto era dificultada com a figura (lembram-se?) do "numerus clausus".
A partir de certa altura, timidamente, começaram a surgir ofertas de vias profissionais que, por má explicação política, foram sobretudo entendidas como uma estrada por onde vai quem não tem "jeito" ou competência para estudar. Neste contexto, famílias e alunos sentiram dificuldade em aderir a algo percebido como sendo de segunda. Entretanto, o nível inaceitável de chumbos e abandono no secundário continuava a envergonhar-nos.
Nos últimos anos, temos finalmente assistido a uma significativa diferenciação da oferta educativa, sobretudo depois do 9º ano, e essa oferta começa agora a perceber-se como uma alternativa à continuação de estudos mais prolongada, o ensino superior politécnico ou universitário. A oferta actual quase triplicou face a 2004/2005 o que tem contribuído para a descida muito significativa do abandono ao escolar neste patamar do sistema. Por outro lado, o crescimento exponencial da oferta tem vindo a levantar sérias reservas no sentido em que parece complicado o equilíbrio entre a quantidade e a qualidade da formação providenciada.
Neste quadro importa que sejam promovidas avaliações independentes, anunciadas pelo responsável da ANQ, mas que se desejam não centradas fundamentalmente em número de alunos certificados mas envolvendo a avaliação das competências atingidas.
Por outro lado, deve ainda referir-se que em muitas escolas esta oferta diversificada é ainda gerida de forma classista, ou seja, os bons alunos são os que se encaminham para os cursos gerais e os outros são encaminhados para os cursos profissionais que assim continuam percebidos como de segunda.
O nível de desenvolvimento das sociedades actuais exige níveis de qualificação profissional sem os quais o risco de exclusão social é enorme, sempre digo que a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social. Assim, conseguir que os alunos, todos os alunos, cumpram a etapa escolar saindo com qualificações profissionais é o grande desafio que o nosso sistema educativo enfrenta e para cujo sucesso é fundamental a oferta de percursos formativos diferenciados mas sérios e com qualidade.
Na tentação de torcer a realidade até que esta diga aquilo que se pretende, o ME tem o pouco interessante hábito de torturar os números para os transformar em sucessos que componham as estatísticas, confunde certificar com qualificar, um equívoco de consequências trágicas.
Não basta fazer as coisas certas, é também necessário fazer certas as coisas.
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