sábado, 10 de julho de 2010

O ROL DOS FIADOS

Quando era adolescente passava algum tempo numa mercearia e taberna que um dos meus tios possuía. Não era mundo que me atraísse particularmente, mas o meu primo, bom companheiro, "adiantava-me" um macito de "Português Suave" de vez em quando, uma grande ajuda para um vício novo e rico de um miúdo sem dinheiro para o sustentar e a querer armar-se em crescido.
Uma das minhas memórias, entre os copos dois e copos três ou um cortadinho, ainda não tinha chegado a moda da cerveja, é o rol de fiados. Tratava-se de um livro grosso comprido e com páginas estreitas onde se anotava os avios que a cada semana as pessoas levavam ou, também, as compras diárias que realizavam. Os meus tios anotavam a dívida, o fiado, de cada pessoa e ao fim do mês, ou da semana, as contas eram saldadas.
Para a grande maioria das pessoas da minha zona o dinheiro não abundava e a venda fiada era a forma de manterem a lida em funcionamento. É certo que por vezes lá surgiam uns atrasos ou mesmo uns calotes quase incobráveis mas, de uma forma geral, o princípio da confiança funcionava.
Com o desaparecimento do comércio de bairro, foi desaparecendo essa relação de confiança e, consequentemente, o rol dos fiados passa a curiosidade histórica. As grandes superfícies não têm cara, o Sr. Eugénio é uma funcionária de caixa anónima que todos os dias é diferente e o cliente é um cartão que, frequentemente, nem os bons dias dá.
Apesar dos riscos de dívida incobrável, a existência do rol dos fiados era um atestado de comunidade, de relações personalizadas e da confiança entre pessoas.
Fiquei contente quando há dias descobri que a D. Ana, vende pão e legumes aqui no meu bairro, ainda tem um rol de fiados. Ela ainda confia nas pessoas, mesmo nas que não chegam sempre com o dinheiro na mão e isso é bom.

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