sábado, 25 de outubro de 2008

CLANDESTINOS

Estou aqui no meu Alentejo, com um fresquinho que, não tarda nada, começa a pedir lareira, quando o alinhamento aleatório faz ouvir Clandestino de Manu Chao. Esta ideia de clandestino ficou-me na cabeça e na inquietude. Na sociedade portuguesa a condição de clandestinidade foi, há muitos anos, o refúgio de muita gente por razões conhecidas. A democracia viria, esperávamos, a acabar com esta condição. Passados muitos anos, creio que nunca como agora a clandestinidade acolheu tanta gente.
Estou a lembrar-me de putos em dificuldades que vivem clandestinamente nas escolas, sem ajudas e com os seus direitos atropelados por políticas incompetentes e delinquentes.
Estou a lembrar-me de putos que vivem em famílias de que não sentem fazer parte.
Estou a lembrar-me de putos, demasiados putos, que vivem clandestinamente em instituições que, mantendo-os assim, se justificam e eternizam.
Estou a lembrar-me de putos que, clandestinamente, são vítimas de abusos e maus tratos, muitos deles, por parte de gente de quem só sabiam esperar apoio e afecto.
Estou a lembrar-me da imensa minoria de jovens que vivem clandestinos num mercado de trabalho que lhes adia ou rouba o projecto de vida.
Estou a lembrar-me de gente, muita gente, que vive clandestinamente do lado de fora da vida.
Estou a lembrar-me dos milhares de portugueses que vivem clandestinamente numa pobreza que conhecem mas que não querem que se conheça.
Estou a lembrar-me de velhos que vivem clandestinamente sós numa vida que não querem largar mas que já os largou.
O Manu Chao só falou dos outros.

Sem comentários: