quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

COM AMIGOS DESTES ...

Lê-se no Expresso que a "dívida obrigacionista portuguesa - em todos os prazos - registou uma rentabilidade nas últimas 52 semanas de 22,07%, a mais alta em toda a zona euro, segundo o índice da Bloomberg para a dívida soberana (Bloomberg Global Benchmark Sovereign Bond Index)."
Dito de outra maneira, o investimento na nossa dívida é um bom negócio. Não é que nos admiremos mas é sempre interessante vê-lo comprovado.
Deixem que recordem mais alguns dados. Estima-se que a Troika tenha arrecadado 5,6 mil milhões de euros em comissões e juros com o generoso e desinteressado plano de ajuda que nos disponibilizou, por solidariedade, evidentemente.
Gostava de recuperar a entrevista dada em Maio ao Público por Phippe Legrain, ex-conselheiro económico de Durão Barroso, que constitui um excelente contributo  para entender como a ajuda "solidária" e "generosa" dos nossos parceiros e que nos empobreceu foi, fundamentalmente, resultante da incompetência das lideranças da Comissão Europeia e da protecção dos interesses da banca francesa e, sobretudo, alemã. Nada de novo, apenas o reforço de que a via seguida, austeridade e empobrecimento, não era a única alternativa mas foi imposta para defender interesses particulares e aceite sem sobressalto por uma gente sem espinha que abdicou da sua soberania.
Recordo, aliás, que em Novembro de 2013, já alguns países europeus consideravam cada vez mais as políticas económicas da Alemanha como o principal obstáculo à resolução da crise económica que atravessamos, referindo-se que a Comissão Europeia iria desencadear uma investigação sobre os excedentes comerciais e as contas correntes alemãs. No entanto, a situação privilegiada da Alemanha é conhecida de há muito.
Segundo dados oficiais, a Alemanha poupou cerca de 41 mil milhões de euros com a crise das dívidas soberanas na zona euro devido à queda das taxas de juro sobre a sua taxa de dívida pública, considerada um "refúgio seguro" pelos investidores do mercado.
Recordo ainda dados de Julho de 2013 que mostravam como os grupos empresariais franceses e alemães foram os que mais beneficiaram das políticas de ajuda do BCE sendo prejudicadas as empresas espanholas e portuguesas. As taxas de juro do BCE decididas como medidas de apoio à economia e a forma como os bancos gerem as taxas de juro nos empréstimos às empresas, levaram a que, de acordo com a Comissão Europeia as pequenas e médias empresas portuguesas, gregas, espanholas e cipriotas as que mais são penalizadas pagando taxas de juro por empréstimos bancários entre os 6% e os 7% sendo que as alemãs e as francesas beneficiam de uns mais simpáticos 2% a 3%. Muito interessante e elucidativo.
Aliás, segundo o "Financial Times", com base em dados do Banco Central Europeu estima-se uma diminuição de cerca de 42 mil milhões de euros em pagamentos de dívida pelas empresas europeias nos próximos cinco anos. Acontece que esta diminuição envolve sobretudo os grandes grupos empresariais alemães e franceses admitindo-se uma poupança de 14 e 9 mil milhões de euros, respectivamente e a Itália, com uma diminuição de 2,3 mil milhões. No entanto e curiosamente, Portugal e Espanha verão as suas empresas ainda mais penalizadas do que já estão com o aumento do pagamento.
Um mês antes, dados do Eurostat mostravam como de 2009 para 2012 os países do Centro e Norte da Europa ficaram mais ricos e os do Sul mais pobres, ou seja e como sempre, a crise tornou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Para exemplificar, Portugal em 2009 tinha Portugal um PIB per capita 80% da média da EU27 para em 2012 passar para 75% sendo agora um dos quatro países com menor poder de compra.
A análise dos dados mostra como os países envolvidos em programas de austeridade impostos pela "ajuda" se afundaram em dificuldades e os países que generosamente "ajudam" vão enriquecendo.  Deve ser a isto que chama solidariedade e coesão europeias.
Parece claro que para além das enormes responsabilidades políticas internas, importa considerar como, sem surpresa face a muitos dados já conhecidos, que os países mais ricos têm beneficiado fortemente com os pacotes de "ajuda solidária" dirigidos, impostos, aos países mais pobres com os resultados conhecidos. Esta desinteressada ajuda acontece mediante a cobrança de juros altíssimos. Mais um exemplo, dados de final de 2013, Portugal paga por ano 4,4% do seu PIB em juros, 7,2 mil milhões de euros, valor que voa dos nossos bolsos para "dezenas de cofres de Estados e bancos europeus" como afirmava na altura o I num trabalho sobre esta matéria.
Por outro lado e como também se sabe,  as economias fortes do norte da Europa financiam-se a taxa zero ou mesmo, estranhamente a taxas negativas, enquanto nós, as economias do sul e a Irlanda pagamos juros altos cujo montante seria um excelente contributo para a redução dos nossos problemas de equilíbrio. Está certo, somos pobres, temos o dinheiro mais caro, os mais ricos têm o dinheiro mais barato. Deve ser isto a que chamam os mercados a funcionar.
Eu sei que sou estúpido, a economia e as finanças constituem uma matéria inacessível ao cidadão comum, mas parece-me, certamente de forma errada, que assim se torna mais difícil que os países em dificuldades deixem de ser pobres e que haja maior equidade e coesão económica e política na União Europeia.
Que não me levem a mal os nossos generosos amigos, mas às vezes até penso que é justamente isso que pretendem com a ajuda desinteressada que nos dão, que, naturalmente, temos de pagar mas que nos vai deixando pobres.
Tenho até medo de estar a ser injusto para com a sua generosidade e para com os feitores que em seu nome nos administram e estão de forma tão empenhada e eficaz a promover o nosso empobrecimento.

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