quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

CARTA AO ANO NOVO

Meu caro Ano Novo,

Em primeiro lugar, em nome da hospitalidade e do bem receber que caracteriza os portugueses é com a maior satisfação que, como de costume, te dou as boas vindas ainda que, devo confessar, tal como no ano passado com muita apreensão.
O prazo de validade do Ano Velho tinha terminado, a coisa não estava a correr nada bem e, por isso, precisávamos desesperadamente de um substituto. Não te conheço e portanto não sei exactamente a experiência que possuis, mas creio que como todos os novos não será muita, é assim a vida não há volta a dar.
 Não te quero assustar mas não vais ter tarefa fácil, antes pelo contrário, e parece-me útil que possas conhecer um pouco da realidade que te espera, pelo menos aqui em Portugal, para que te possas organizar no sentido de fazeres o melhor possível. Ainda assim, livraste-te de prestar uma Prova de Avaliação de Conhecimento e Capacidades para a tarefa a que vens. É uma coisa assim meio aberrante que um iluminado nosso Ministro inventou, mas vais ter o prazer de o conhecer pois é dos nossos governantes mais activos.
Logo de início, é bom que saibas que, devido à devastadora situação económica que temos vindo a atravessar, fruto do mau trabalho de uma rapaziada que por aí, e por cá, tem andado e dos maus hábitos que adquirimos, alguns de nós é claro, as expectativas sobre ti são, lamento dizê-lo, fracas, muito fracas embora a gente que nos administra sempre entenda que tudo está no bom caminho e, como sempre, afirma “desta vez é que é”. No entanto, é voz corrente nas ruas e não estou a inventar a ideia de “que para o ano vai ser pior”. Estás a ver o que te espera, bom mas tu és novo, vais estar “cá para o que der e vier” e eu queria confiar em ti, e confio. Sabes, aqui para nós, sou avô do neto mais bonito do mundo trabalho no universo dos mais novos pelo que sou obrigado, por eles e em nome deles, a ser optimista,
Em termos genéricos posso dizer-te que, de acordo com os estudos, somos um povo triste, desconfiado e sem grande esperança no futuro, o que também é animador como vês. No entanto, para compensar, gostamos de parecer uns “gajos porreiros” e bem-dispostos e adoramos, como vês por esta carta, dizer mal de nós. No entanto, quem nos governa passa o tempo a dizer que somos o melhor povo do mundo, a gente percebe. Continuamos atordoados com uma carga fiscal pesada como nunca tivemos e … cá vamos, esperando que … pior não fique.
É também muito importante que saibas que temos uma especial inclinação pelo “esquema” ou, como também se diz, “dar um jeitinho”, vais ver a quantidade de jeitinhos que te vão pedir à chegada e a quantidade de “esquemas” a que vais assistir ao longo da tua estadia por cá. Aliás, no final desta no qua terminou, para além daqueles esquemas a que já nem ligamos, imagina que o antigo Primeiro-ministro está preso, isso mesmo, preso. Perguntarás porquê e a resposta é …. esquemas. Um dos maiores, senão o maior grupo económico e financeiro português implodiu com custos brutais que ainda nem estão contabilizados, perguntarás porquê … esquemas claro. Uns tipos com altos cargos na administração pública, estão acusados, adivinha? Isso mesmo, esquemas.
Também é importante que saibas que a maioria das vezes destas coisas resulta … nada. Um povo como nosso com uma fortíssima matriz judaico-cristã, dá uma enorme valor ao perdão, serão, pois, perdoados e … seguem os esquemas.
Temos um governo que, tal como qualquer outro que temos tido, acha que faz tudo bem e é incompreendido por toda a gente e temos uma oposição que acha que o governo faz tudo mal, mas não percebemos muito bem o que faria se fosse governo, porque quando é governo a situação é mais ou menos a mesma e acabam por, basicamente responder perante um sindicato de interesses dos chamados mercados, independetemente de quem, nós, os elegeu.
Adoramos auto-estradas, rotundas e centros comerciais. Temos três pessoas que se acham os melhores do mundo mas duas emigraram, o Cristiano Ronaldo, também conhecido por "CR7"e o José Mourinho, o "Special one" e o terceiro anda por aí, chama-se Marcelo Rebelo de Sousa sendo mais conhecido por "Professor". Dizem que adivinha o futuro, não vais conseguir surpreendê-lo. É verdade que existe muita gente com obra grande na ciência e na cultura mas por cá são matérias de pouco relevo, talvez possas fazer alguma coisa. Aliás, boa parte deles está também a abandonar o país, não vislumbram por cá um futuro que os segure.
Vais ficar surpreendido com algumas figuras que conhecerás ao longo da tua estadia. Recomendo-te especial atenção a uns rapazes ladinos como o Dr. Paulo Portas, um irrevogável do poder que fala por “sound bites” parece um publicitário, tenta sempre compor “uma pose de estado” seja lá isso o que for, adora feiras e dizer coisas assim do tipo, sei lá, ou o Ministro da Examinação o Professor Nuno Crato que te vai examinar todas as semanas para ver se és excelente.
É verdade, vais ser continuamente examinado, para saber se cumpres as centenas de metas curriculares que tens de atingir e se não fores, estás tramado, vais para uma fábrica, mesmo sendo ainda pequeno, pois a escola é para inteligentes, não é para desperdiçar dinheiro e recursos com gente preguiçosa, pouco dotada ou com aqueles que têm necessidades especiais e só atrapalham a vida das escolas. Aliás a vida das escolas agora anda mais simples porque o Ministro da Examinação mandou embora uns milhares de professores desculpando-se com a falta de alunos e também existem menos funcionários técnicos de modo que o clima, por assim dizer, anda mais desanuviado. Este Ministro tem também um sentido de humor notável, verás com o tempo, inventou uma prova que, diz ele, em 32 perguntas de resposta múltipla e uma redacção com poucas linhas avalia quem pode ser um bom professor e tem um hábito engraçadíssimo, diz e decide uma qualquer coisa e depois quer que nós percebamos outra completamente diferente, é um pândego. Só para que percebas, antes de ser Ministro da Educação disse que uma das medidas que tomaria seria, imagina, implodir o Ministério. Está bem caçado, não achas?
São sempre diálogos estimulantes.
No entanto, meu caro Ano Novo, se estiveres atento, vais perceber que somos um país de poetas que, como sabes, são uns fingidores. Por isso, deves ter reparado que à tua chegada encontraste o povo aos pulos e com ar de contente a olhar para o fogo de artifício, uma das nossas paixões, apesar da situação que te descrevi sinteticamente.
Renovo os votos de boas vindas e de bom trabalho. Se precisares de alguma coisa, estás à vontade, dispõe.
Um abraço deste velho que sempre espera que o Ano Novo venha melhor.

Zé Morgado, 1 de Janeiro de 2015

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