quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

OS PERCURSOS DE SUCESSO

A Direcção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência divulgou o estudo realizado sobre o desempenho dos alunos que iniciaram o 3º ciclo no ano de 18/19. Os dados dizem que 87% concluíram o ciclo no tempo esperado, portanto, sem retenções. Atenuaram-se as diferenças ainda existentes relativamente aos alunos que são beneficiários da Acção Social Escolar, 90% dos alunos sem retenções não são beneficiários, 87% têm escalão B e 74% do escalão A.

Poderíamos pensar que este progresso mostra que todos os planos, projectos, iniciativas, capacitação, inovação, etc., estão a funcionar e a resultar, mas, lá vem um maldito mas, continuo com dúvidas que anteriores estudos desta natureza me levantaram. Preferia que assim não fosse.

Como tenho escrito, a transição será um indicador de sucesso, mas sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos. Precisamos de avaliação externa que tenha uma função reguladora que as actuais provas de aferição não cumprem. Uma avaliação externa de aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, em que os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

Os alunos envolvidos neste estudo teriam realizado provas de aferição em 2020 e provas finais de ciclo em 2021. Acontece que devido ao contexto criado pela pandemia estas provas não se realizaram. Como termo aproximado de comparação e com todas as reservas recordo que nas provas de aferição de 2021, no 5º e no 8º ano a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Tenho algumas dúvidas relativas à coerência dos resultados entre os resultados das provas de aferição com os indicadores de sucesso que são baseados nas taxas de completamento dos ciclos nos anos definidos. Dito de outra maneira, será que o sucesso significa conhecimentos e competências adquiridas ou a “passagem” de ano?

Colocando a questão de outra forma, podemos ler a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e saberes ou definir o sucesso como “a passagem de ano”.

De facto, o que conhecemos através das provas de aferição não parece compatível com os indicadores de transição. Já aqui tenho abordado a questão a propósito de resultados de outros anos escolares.

Acresce o facto deste grupo de alunos ter passado pela experiência dos confinamentos com um confirmado impacto nas aprendizagens.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir. A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens e com regulação externa, sim, naturalmente, mas também com a avaliação justa e competente do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

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