Numa peça do Expresso leio que a
PSP registou 2019 queixas relativas a violência no namoro em 2022. Apesar de
não ser significativa, verifica-se uma redução de casos que se iniciou em 2019, ano em
que foram recebidas 2185 queixas.
Também entre os mais jovens, dos
13 aos 25, se regista diminuição de casos, 500 casos registados em 2022, mas dados provisórios.
Sendo positivo o trajecto de
redução, importa sublinhar que existe certamente um número muito elevado de
situações que não são objecto de queixa. É também diversificada a tipologia dos
comportamentos de violência.
Os dados convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais e ajudam a perceber como a violência doméstica parece indomesticável. Aliás, em 2022 as queixas por violência doméstica registaram o valor mais alto dos últimos quatro anos. Acresce que, como referi, boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é
preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é
surpreendente, lamentavelmente. Os dados sobre violência doméstica em adultos deixam
perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados
muitos trabalhos sobre violência no namoro e que se mantêm inquietantes. Aliás,
nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela
APAV foram de mulheres jovens embora seja um drama presente em todas as idades.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente,
ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos
apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a percentagem de jovens,
incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade
face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso
e maus-tratos. Um estudo divulgado em 2020 realizado pela APAV e em cerca de
5000 jovens com uma média de 15 anos de idade 67% acham normal algum tipo de
violência nas relações de namoro e 58% referem já ter sofrido pelo menos uma
forma de violência.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação
social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa
perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de
protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na
educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria.
É uma aposta que urge e tão importante e sublinha a necessidade óbvia de
matérias desta natureza serem objecto de abordagem na educação escolar sendo
que não terão de o ser de uma forma “disciplinarizada”. Não me parece que haja
outro caminho.
Entretanto e enquanto não muda,
"só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?". Não,
não se pode acreditar.
Retomo como iniciei. Apesar da
natureza e gravidade fora do comum dos dias que vivemos e para os quais não
estávamos preparados, talvez seja de não esquecer questões como estas que
devastam o quotidiano de muita gente.
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