Há uns dias o Público tinha uma peça sobre as alterações da configuração das famílias portuguesas verificadas através dos dados divulgados pelo INE relativos ao Censo de 2021.
Em termos sintéticos, as famílias
têm menos crianças e mais tarde, aumenta o número de famílias multinucleares,
monoparentais e reconstituídas como também sobe o número de pessoas que vivem
sós. Considerando os dos do Censo de 2011 merece destaque a subida de 20,7% do
número de famílias monoparentais, de 18,5% das famílias reconstituídas que. em
conjunto representam já 27,35 do total de famílias.
É frequente na imprensa as referências às emergentes e diferentes dinâmicas de constituição, organização e funcionamento dos “novos” agregados familiares. No entanto, do meu ponto de vista, quase sempre me parece que as diferentes abordagens não valorizam, por vezes nem referem, um aspecto que entendo relevante e que considero dos mais complexos desafios sociais que actualmente enfrentamos, a educação familiar, ou seja, o que é, o que deve ou pode ser a educação familiar em contextos altamente diferenciados e em mudanças permanentes.
Esta minha questão releva do
entendimento de que independentemente da configuração a família, a educação
familiar, é um bem de primeira necessidade para todas as crianças pelo que as
enormes alterações que temos vindo a constatar no universo das famílias solicitam
uma séria reflexão sobre as suas implicações e impacto na educação familiar. O
paradigma clássico, a família educativa e a escola instrutiva, mudou
substantivamente o que não significa, obviamente, a alienação do papel
educativo da família, mas sim atentar nas novas qualidades que esse papel vai
assumindo, parafraseando Camões.
Desde logo porque, por questões
de logística e funcionalidade, o tempo familiar para as crianças encolheu de
forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a
que até o então MEC se lembrou de chamar de forma infeliz, “Escola a tempo
inteiro”. As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que
ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que
assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem
culpados e fragilizados por entenderem que não têm a disponibilidade de tempo e
atitude que julgam necessária para os filhos. Esta culpa e fragilidade é, com
frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e
firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois
“temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Por outro lado, no caso de
famílias monoparentais, cujo número está em crescimento, também é
frequentemente referida a dificuldade acrescida no contexto da educação
familiar.
Uma outra questão prende-se com o
modo e a dificuldade que muitos pais me referem sentir quando lidam com as
crianças em situação de “duas famílias” mesmo em separações não litigiosas e
com níveis de agressividade por vezes inquietantes. Mais uma vez, as
inseguranças e algum sentimento de culpa estão presentes e contribuem para
embaraços que levam os pais a pedir alguma ajuda. Como sempre digo, é preferível
uma boa separação a uma má família, mas alguns pais sentem-se inseguros para
construir cenários de educação familiar com qualidade quando têm a guarda das
crianças repartida.
Tem vindo a crescer o número de
situações de casais que apesar de separados continuam a coabitar o mesmo espaço
ou que nem sequer assumem a separação o que pode causar alguma perplexidade e
mal-estar nas crianças sobre a forma de lidar com um contexto em que
aparentemente existe uma família, quando na verdade já são duas com uma ou mais
crianças entre elas. Na mesma configuração temos também a situação de pais
"casados por fora" e "descasados por dentro" vivendo como
que um fingimento” familiar, frequentemente com a desculpa dos filhos. As
crianças são inteligentes e é preferível uma “boa separação” a uma “má
família”, as crianças são resilientes e acomodam melhor eventuais dificuldades
quando estão com adultos que delas cuidam e lhes dedicam afecto.
A experiência mostra, como referi
acima, que a educação familiar se constitui como uma área extremamente
complexa, não existem dois contextos familiares iguais sendo que, para além de
tudo, se trata de um universo extremamente sensível a valores e convicções.
Assim sendo, importa estarmos
atentos e procurar disponibilizar apoios e orientações nas situações em que os
pais revelam e exprimem mais insegurança e dificuldades e que muitas vezes são
fonte de grande sofrimento para todos os envolvidos. Estas situações são bem
mais frequentes e graves do que julgamos.
E envolvem famílias de diferentes
configurações, umas mais “velhas” outras mais “novas”.
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