O Parlamento aprovou na especialidade a legislação relativa à despenalização da morte medicamente assistida. Seguir-se-á a votação final e a apreciação do Presidente da República. Algumas notas.
A discussão sobre a problemática da morte assistida ou
eutanásia, tal como aconteceu com a interrupção voluntária da gravidez, está,
do meu ponto de vista, contaminada por um pecado original, os termos em que
mais habitualmente se enuncia a questão.
Discute-se se somos contra ou a favor da eutanásia tal como
se discutia se se era contra ou a favor do aborto. Os termos da discussão
deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização
do processo de morte assistida em condições claramente reguladas e definidas
legalmente.
Da mesma forma e relativamente à IVG, a questão era entender
se a mulher que dentro das condições estabelecidas e de forma regulada
recorresse à interrupção voluntária da gravidez deveria ser criminalizada. Isto
não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Com a aprovação desta lei não se abriu a anunciada “Caixa de
Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e
baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com
a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde
das mulheres.
Também da eventual despenalização da morte assistida não creio
que venha o caos e o terror anunciados num argumentário que em muitos discursos
individuais ou institucionais destila manipulação e hipocrisia e insulta a
inteligência e a sensibilidade.
Não sei o que será o meu entendimento pessoal se e quando
estiver em circunstâncias críticas, imagino que quererei serenidade e
dignidade.
No entanto, sei que não devo impedir ninguém de recorrer à
morte assistida sem que daí decorra a imputação de um crime a alguém.
É uma decisão individual, que se aplica no âmbito dos
direitos individuais e da dignidade, nunca de um grupo político, de uma
religião ou de uma corporação profissional. Nenhum é dono da autodeterminação,
autonomia, da cidadania num quadro extremo e irreversível de sofrimento e
desespero.
António Gedeão afirmou na “Fala do Homem Nascido”, “Só quero
o que me é devido por me trazerem aqui que eu nem sequer fui ouvido no acto de
que nasci”.
Toda a gente nasceu sem ser ouvida e muita gente vive sem a
dignidade que lhe é devida.
Talvez a gente pudesse ser ouvida no acto de que morrerá e
ter no seu fim ou pelo menos no seu fim, a dignidade que lhe é devida.
Não é simples, não é fácil, envolve outras pessoas e os seus
valores, mas não vejo outro caminho.
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