O Público tem uma peça em que se aborda como se está a desenrolar o trabalho escolar neste primeiro período sem as restrições verificadas no período da pandemia. Professores ouvidos registam referem desajustamentos ao nível do comportamento, alunos mais inquietos, desatentos, “centrados” nos telemóveis, e também algumas dificuldades nas aprendizagens. De acordo com auscultação da Ordem dos Psicólogos aos profissionais de psicologia em funções nas escolas, tem-se verificado também um acréscimo de sinalização e pedidos de intervenção. Reporta-se o aumento de situações de mal-estar bem como de episódios de bullying nas diversas variantes.
Também é referido por alunos ouvidos a sua satisfação com o
regresso em pleno aos contextos escolares.
O trabalho vem no sentido de um quadro já conhecido. Como referi na altura, em Maio foram divulgados os resultados e conclusões do estudo “Saúde Psicológica e Bem-estar” promovido pelo Ministério da Educação que procurou caracterizar a saúde mental e bem-estar de alunos e professores. O estudo envolveu 8.067 crianças e adolescentes do pré-escolar ao 12.º ano e 1.457 professores e os dados divulgados causaram alguma inquietação como sinal de mal-estar.
A experiência abrupta dos períodos de confinamento total por
que passaram milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo com o
encerramento de escolas e, praticamente, de todos os serviços da comunidade de
que são utentes, não podia deixar de ter implicações no seu bem-estar.
Desde logo e naturalmente pelo impacto no seu trajecto
educativo e de aprendizagem, mas também no seu bem-estar, na sua saúde mental.
Aliás, também nos adultos é considerável este impacto como também se verificou
nos docentes.
Aliás, creio que o actual clima vivo nas escolas, a crispação
associada à forma como é gerida a situação e a carreira dos professores, o
modelo de governança, associado a políticas públicas erráticas que interagem com mal-estar e falta de serenidade criam um contexto pouco amigável para o
bem-estar na escola.
O confinamento a que foram sujeitos em contextos familiares
em que nem sempre os factores de protecção equilibravam os factores de risco,
sustentou mudanças no seu bem-estar e comportamentos e a emergência de quadros
de risco que agora viajam na "mochila" que os alunos carregam para a
escola.
De facto, têm sido múltiplos os estudos que referem esta
questão, a deterioração da saúde mental de crianças e jovens, mas também de
adultos, designadamente professores no quadro da pandemia e, no caso de
docentes, de questões de natureza profissional. Os confinamentos a que se
associaram os períodos de isolamento, a falta de rede social dos pares, as
dificuldades de diversa ordem sentidas nos contextos familiares terão dado um
contributo significativo. Os dados mais recentes acentuam a importância desta
matéria.
Deste quadro resulta a necessidade e urgência de atenção à
saúde mental de crianças e jovens ainda que habitualmente a saúde mental seja
um parente pobre das políticas públicas de saúde.
Assim, é fundamental que as comunidades educativas tenham os
recursos ou dispositivos de acesso a esses recursos que acomodem as situações
de vulnerabilidade psicológica e mal-estar. As crianças e adolescentes com
necessidades específicas estarão muito provavelmente em situação de risco
acrescido.
Crianças e adolescentes são mais resistentes do que por
vezes parecem, felizmente. No entanto, como já tenho escrito, importa um
ambiente sereno que tranquilize e apoie alunos, professores, pais e técnicos.
É preciso sublinhar os professores e todos os que estão nas
escolas precisam dessa tranquilidade e valorização para que possam ter mais
bem-estar e melhor ensinem, apoiem e aprendam.
Será bom não esquecer que, par além dos recursos existem
circunstâncias de risco para os quais se exigem políticas públicas adequadas.
Contextos familiares vulneráveis são, por exemplo, uma
ameaça ao bem e estar e saúde mental de crianças e adolescentes. No que
respeita aos professores, as condições de carreira e avaliação, a instabilidade
nos trajectos profissionais a desvalorização sentida, a asfixia da burocracia,
o clima de escola em algumas situações, são, entre outras razões, um forte
contributo para um mal-estar que afecta muitos docentes.
Por todo este cenário é crítico que a recuperação no plano
das aprendizagens estivesse associada a uma forte preocupação com a saúde
mental de alunos e professores com os apoios e recursos necessários.
Ao que tem sido divulgado o Plano de Recuperação e
Resiliência prevê um investimento nos serviços de saúde incluindo a saúde
mental, a ver vamos.
Uma nota para sublinhar a importância de que os
recursos e iniciativas a desenvolver integrem as escolas no âmbito da sua
autonomia e não “apareçam” traduzidos numa imensidade de projectos e
iniciativas vindas “de fora” como, lamentavelmente, é frequente.
Como cantava o Zeca Afonso, “seja bem-vindo, quem vier por
bem”, e como é evidente, registo todas as iniciativas, projectos, experiências
de inovação, etc., que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas,
mas já me falta convicção no impacto do modelo mais habitualmente seguido.
Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora
das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das
escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por
exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo
que tem de ser realizado.
Também com demasiada frequência muitos destes projectos
morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma
robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos
organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos
intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto.
Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos,
Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com
frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos
mereceriam.
Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos
com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.
Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas
as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais
se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à
porta com propostas fossem canalizados para as escolas.
Com real autonomia, com mais recursos e com modelos
organizativos mais adequados e processos menos burocratizados, as escolas
poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem
transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser
objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e
formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.
Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos
burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do
comportamento e da aprendizagem.
Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que
se verifica poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de
apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação
entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento
com retorno.
São apenas alguns exemplos de respostas com resultados
potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos
Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas
matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a
verdade é que as agendas e o marketing têm custos.
Está em jogo o desenvolvimento escolar e pessoal de crianças,
adolescentes e jovens, ou seja, do futuro.
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