sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

DA AVALIAÇÃO EXTERNA

 Lê-se no JN que um grupo de peritos (afinal parece que há peritos em educação) ouvido pelo grupo de trabalho que na Comissão de Educação do Parlamento acompanha o plano de recuperação das aprendizagens, defendeu que “os instrumentos de avaliação devem ser melhorados e as provas de aferição ou exames (elaborados pelo Instituto de Avaliação Educativa, IAVE) devem ter um grupo de "perguntas âncora" que permita comparar a evolução dos alunos de ano para ano”.

Neste contexto, umas notas em linha com o que frequentemente aqui tenho escrito.

A avaliação externa é uma ferramenta crítica na regulação de qualidade dos sistemas educativos. Para que assim seja, importa que os dispositivos utilizados possibilitem a construção de “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares. Considerando este objectivo, os peritos sugerem a definição de um grupo de perguntas “âncora“ que permitiria essa comparação. No entanto, a propósito de comparação, recordo uma afirmação de 2015 do então presidente do Conselho Científico do IAVE em Coimbra, referindo a possibilidade de uma gestão “política” dos resultados, bastando uma pequena mudança em muito poucas questões para que as médias se alterassem. A ver vamos.

Também me parece que a não realização de exames nacionais no 4º e 6º ano ainda mais necessária torna a existência de dispositivos externos de regulação. Seria esta, aliás, a função da reintrodução das provas de aferição.

No entanto, do meu ponto de vista, (também tenho um) o modelo decidido não cumpre esta função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário. Assim, parece claro que uma avaliação externa de aferição deveria ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos intermédios, 2º, 5º e 8º ano, quando os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.

A argumentação foi de que, realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo, assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem, mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa, pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos e do seu próprio trabalho.

Para além do tempo que os resultados demoram a chegar às escolas, acresce que tem sido habitual a rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas o que não permite estabelecer de forma sólida dados comparativos que possibilitem eventuais ajustamentos na trajectória dos alunos.

Como também já tinha sido anunciado, este ano as provas de aferição serão em formato digital, seguindo-se as provas finais de ciclo e os exames finais nacionais. Está adquirido que em múltiplas áreas e, naturalmente, também na educação, a transição digital é incontornável e torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem, bem como em todos os processos relativos à organização e funcionamento escolar e do sistema no seu todo. Nenhuma dúvida sobre isso. Sem meios digitais não podia estar a escrever este texto. 

Também foi divulgado que até 2026 todas as escolas estarão equipadas com manuais digitais, ou seja, serão desmaterializados.

Importa, no entanto, que a transição digital não faça parte do problema, mas da solução o que, por exemplo, a burocratização “platafórmica” que se verifica na vida de escolas e professores parece sugerir.

É também necessário não esquecer pormenores como o acesso a equipamentos atempado por parte dos alunos, a qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas escolas, em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. As queixas nestas matérias são demasiado frequentes e pode haver riscos de desigualdades que, aliás, já se verificam.

Deste cenário e da nada fácil conjugação das diferentes variáveis e dimensões aguardemos o resultado.

Perto de um Ano Novo há que ser optimista.

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