segunda-feira, 18 de abril de 2022

DOS (DIS)MIÚDOS. DE NOVO

 No início do último período escolar deixem-me retomar uma questão que repetidamente aqui tenho abordado, a excessiva facilidade com que se tenta encontrar um nome para dar a qualquer comportamento observado numa criança que seja considerado não adequado ou não “normal”.

De acordo com as expectativas ou representações sobre comportamento, capacidades e competências e desempenho adequados, muitas crianças são “rotuladas” com uma qualquer designação quando tal expectativa ou representação não se verifica.

Este processo pode envolver o contexto escolar, familiar ou a intervenção de diferentes técnicos e exige uma extrema prudência e competência. Por vezes até pode acontecer com a ajuda do Dr. Google e das redes sociais que sempre disponibilizam um extenso volume de informação sobre o que quer que seja.

A “rotulagem”, por assim dizer, acaba por cumprir um papel justificativo, explicativo, do comportamento observado, a criança é “assim” porque tem “isto” o que, aparentemente pode descansar os que lidam com a criança. No entanto, para muitas crianças pode ser algo de profundamente negativo.

Muitas vezes tenho referido esta questão no Atenta Inquietude e retomo algumas notas.

De facto, a forma como olhamos, intervimos e exigimos dos comportamentos e resultados escolares dos mais novos mostram que de há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes parece ter adquirido uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a "(dis)miúdos".

Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.

Existem também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.

Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades em muitos contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.

Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".

De forma propositadamente simplista costumo dizer que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem dificuldades na “ensinagem”.

Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas devem ser abordados, diagnosticados e, se necessário, recorrer a medicação, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença ou falsas explicações sobre o que se observa nos miúdos.

A par disto emerge um sem número de “programas”, “métodos”, “modelos”, altamente “especializados” criando expectativas e alimentando uma oferta que não é fácil de gerir por pais e professores. Como é óbvio, reconheço a necessidade e qualidade de algumas intervenções, mas conheço e leio algumas ...

A minha questão, é que este cenário pode implicar consequências sérias no percurso educativo e de desenvolvimento de muitas crianças e adolescentes.

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