No início do último período escolar deixem-me retomar uma questão que repetidamente aqui tenho abordado, a excessiva facilidade com que se tenta encontrar um nome para dar a qualquer comportamento observado numa criança que seja considerado não adequado ou não “normal”.
De acordo com as expectativas ou representações sobre comportamento,
capacidades e competências e desempenho adequados, muitas crianças são
“rotuladas” com uma qualquer designação quando tal expectativa ou representação
não se verifica.
Este processo pode envolver o contexto escolar, familiar ou
a intervenção de diferentes técnicos e exige uma extrema prudência e
competência. Por vezes até pode acontecer com a ajuda do Dr. Google e das redes
sociais que sempre disponibilizam um extenso volume de informação sobre o que
quer que seja.
A “rotulagem”, por assim dizer, acaba por cumprir um papel
justificativo, explicativo, do comportamento observado, a criança é “assim”
porque tem “isto” o que, aparentemente pode descansar os que lidam com a
criança. No entanto, para muitas crianças pode ser algo de profundamente
negativo.
Muitas vezes tenho referido esta questão no Atenta
Inquietude e retomo algumas notas.
De facto, a forma como olhamos, intervimos e exigimos dos
comportamentos e resultados escolares dos mais novos mostram que de há uns
tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes parece ter adquirido uma
espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a
"(dis)miúdos".
Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da
lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos,
discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Existem também as crianças e adolescentes que têm
(dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas
naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento,
distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da
cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da
actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios
da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e
aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam
com as (dis)funcionalidades em muitos contextos escolares, número de alunos por
turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.
Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer
miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".
De forma propositadamente simplista costumo dizer que
algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades
de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem
dificuldades na “ensinagem”.
Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existe um
conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas
devem ser abordados, diagnosticados e, se necessário, recorrer a medicação,
mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me
muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos"
e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais dificilmente se libertarão e que
pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença ou
falsas explicações sobre o que se observa nos miúdos.
A par disto emerge um sem número de “programas”, “métodos”, “modelos”,
altamente “especializados” criando expectativas e alimentando uma oferta que
não é fácil de gerir por pais e professores. Como é óbvio, reconheço a necessidade
e qualidade de algumas intervenções, mas conheço e leio algumas ...
A minha questão, é que este cenário pode implicar
consequências sérias no percurso educativo e de desenvolvimento de muitas
crianças e adolescentes.
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