Não pode deixar de ser, é dia 25 de Abril. É o dia em que toda a gente, quase, fala daquele 25 de Abril, o de 74.
Quase sem nos darmos conta os anos passam, já lá vão 48
anos. Actualmente, boa parte da população portuguesa não viveu o 25 de Abril de
1974, nem o 24 de Abril com tudo o que continha. Talvez por isso e sem esquecer
tudo o que aconteceu nestes 48 anos de bom e de menos bom, valha a pena olhar
um pouco para o 24 de Abril de 74 e que sustentou o desencadear da mudança.
É verdade que a história tende a ser uma espécie de adereço,
tal como a generalidade das ciências sociais e não uma potente ferramenta de
desenvolvimento das comunidades. Estamos num tempo em que à história se dá
pouca atenção e o futuro é percebido como muito longe, vive-se a urgência do
hoje. No entanto, perceber e conhecer o que foi a estrada que percorremos é
fundamental para viver e conhecer o presente e querer construir um futuro com
uma visão escolhida por nós.
É verdade que temos vivido tempos difíceis, mas também é
verdade que não é sequer possível comparar o país de hoje com o país de 1973.
Já passaram 48 anos, para refrescar algumas memórias ou contar alguma história
aos mais novos, deixem que vos fale um pouco da escola do meu tempo, o tempo
dos anos cinquenta e sessenta. Escolho voltar a falar da escola porque é um universo que
conheço um pouco melhor, mas poderia fazer o mesmo exercício em muitas outras
áreas de funcionamento da nossa sociedade. Não me esqueço, antes pelo
contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem
atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas
sérios, mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento
sustentam o “antigamente era melhor” e inquietam-me discursos que emergem
defendendo “aquela” escola, “aquela” educação, a de “antigamente”. Já não é a
primeira vez que falo disto e não será certamente a última. Vejamos, pois, um
pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem
pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era,
naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos divertíamos e ríamos,
os miúdos são resilientes e … são miúdos.
As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a
gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou
fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não
eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só
histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas,
inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos
que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira
classe, como então se chamava, outros completavam a quarta classe, a
escolaridade obrigatória naquela altura. Chegava.
Alguns outros, nem se entendia que deveriam estar na escola,
eram pessoas com deficiência, ainda não sabíamos falar de necessidades
educativas especiais nem de inclusão, que iriam fazer para a escola.
E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das
raparigas.
E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente
aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas,
basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos,
acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese,
religiosa e política.
E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham
fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
E na escola do meu tempo não aprender não era um problema,
quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”. Quanto menos estudassem,
menos perguntas e dúvidas teriam.
E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de
Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino.
Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar
de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem
às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a
estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser
serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste
tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e discursos, que nos recordam
a escola do meu tempo. Nem tudo está bem, longe disso e algumas questões não
mudaram na substância, apenas se actualizaram. No entanto, o caminho é melhorar
a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais
voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus netos e os outros
miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.
Também por isso hoje falamos do 25 de Abril de 1974 e do que
os tempos nos trouxeram.
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