O texto de Paulo Prudêncio no Público, "Aumentou a indisciplina nas salas de aula?”, merece reflexão e o tema em análise fez-me recordar um trabalho que realizei há algum tempo.
Face ao volume de referências a episódios de indisciplina
escolar tentámos desenvolver uma pesquisa a partir de uma situação concreta.
Numa escola pública da periferia de Lisboa, um aluno do 9º
ano envolveu-se numa discussão com um colega durante um trabalho de grupo na
aula da Inglês e acabou por dizer um palavrão acompanhado de um gesto explícito
a condizer. A cena foi, como de costume, registada num telemóvel e rapidamente
apareceu no Youtube. Procurámos alguns comentários a mais este grave incidente
que afectou o espaço escolar. Começámos pelo Parlamento.
Um deputado do PS referiu que graças à eficácia e à bondade
das políticas educativas do governo do PS a situação estava incomparavelmente
melhor pois tem a informação do Director da escola de que na semana anterior o
mesmo aluno tinha dito dois palavrões na aula de Matemática.
Um deputado do PCP que ouvimos referiu-nos que até a própria
juventude começa a dar sinais de contestação tomando posições firmes contra a
ditadura das políticas de direita do Governo e em particular do ME.
Entretanto, uma deputada do Bloco manifestou a sua
satisfação pela atitude não conformista do adolescente e a capacidade de erguer
a sua voz minoritária para dizer o palavrão que mais ninguém disse.
No que respeita ao PSD, um deputado refere a falta de
credibilidade do Primeiro-ministro como causa para incidente tão grave.
O deputado do Livre analisa o episódio à luz da defesa de
uma identidade e do activismo promotor dessa identidade.
A deputada do PAN aponta a necessidade de que cada aluno
possa ter um animal de estimação consigo o que minimizaria os riscos de
indisciplina.
Um deputado da IL defendeu que era importante que todos os
bons alunos, os que querem aprender e se portem bem, fossem para
estabelecimentos de ensino privado pois aproveitariam melhor e as escolas
públicas ficariam para os que não querem aprender e se portam mal.
Finalmente um deputado do Chega defendeu que o 25 de Abril
transformou o espaço escolar num espaço de delinquência e insegurança muito por
culpa do aumento brutal dos filhos de imigrantes e de utentes do Rendimento
Social de Inserção. Já exaltado, afirmou ainda que seria necessário um polícia
em cada sala de aula e se assim não for, será uma vergonha.
Uma representante de um pensamento educativo conhecido por
"eduquês", seja lá isso o que for, afirmou que se tratou de uma
expressão positiva de desconforto por parte do adolescente, na afirmação da sua
autonomia e competências interpessoais no quadro de uma sala de aula
interactiva. Pois.
Conseguimos ainda a opinião de um reconhecido especialista,
Miguel Sousa Tavares, que entende o episódio como mais uma prova de
incompetência de uma classe que tem três meses de férias, não é avaliada e
ganha balúrdios.
O conhecido opinador Santana Castilho, que ia a passar,
disse também qualquer coisa que não se percebeu muito bem, mas clamava que
estava contra e que tinha saudades do tempo em que foi Subsecretário de Estado
dos Assuntos Pedagógicos e a educação em Portugal era um paraíso.
Desistimos do trabalho.
Agora mais a sério, indisciplina na escola e a sua gravidade
são, também um espelho do clima social em que vivemos com reflexo na percepção
de autoridade, estilos parentais, sistema de valores, etc. Algumas das
dimensões relacionadas com o problema estão estudadas, são conhecidas. Vejamos
algumas sem ordenação de importância, tempo de permanência excessivo dos alunos
nos espaços escolares com actividades desadequadas, inexistência de recursos
humanos de mediação de conflito envolvendo alunos, professores e pais,
desajustamentos dos normativos e determinações processuais, inexistência ou
insuficiência de dispositivos de apoio a docentes e alunos designadamente no
que se refere a comportamento e relações interpessoais, fragilidades na
liderança e autoridade em professores e directores escolares.
Sem se intervir seriamente nestas matérias, vamos sempre
constatar que os episódios de indisciplina são demasiado frequentes, o que não
é estranho, mas nada adianta.
Um dia destes voltamos à questão.
Sem comentários:
Enviar um comentário