Não vale a pena tentar tapar o sol com uma peneira ou acreditar que a realidade é a projecção dos nossos desejos. O relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência, “Organização do ano lectivo 2020-2021” mostra que os anunciados amanhãs que cantam talvez fossem prematuros no que respeita à resposta educativa à diversidade dos alunos, também conhecida por educação inclusiva, termo tão desgastado que até dá cobertura à … exclusão
Alguns indicadores constantes no trabalho
da IGEC que merecem referência.
Considerando um universo de 97 escolas
ou agrupamentos avaliados existiriam 498 alunos beneficiários da Acção Social
Escolar que deveriam usufruir de aulas presenciais nas escolas em período de
confinamento. No entanto, 60,6% destes alunos não tiveram acesso a esta
situação.
O mesmo aconteceu a alunos com
necessidades educativas especiais e a alunos referenciados pela Comissões de Protecção
de Menores.
Considerando os alunos
referenciados para medidas de apoio às aprendizagens através de “apoio tutorial
específico”, apenas cerca de 60% acedeu a este dispositivo de apoio.
Nas situações em que as turmas integram alunos com necessidades educativas especiais não devem ter um efectivo superior a 20 alunos e não mais do que dois com necessidades especiais. A avaliação mostrou que em 30,8% das turmas de 5º ano com alunos com relatório técnico-pedagógico as disposições não eram cumpridas. Também 12,4% das escolas avaliadas não conseguem operacionalizar todas as medidas de apoio definidas nos relatórios técnico-pedagógicos. As direcções referem a insuficiência de recursos humanos adequados.
Por último, um dado relativo aos
professores. Em 14426, 4,1% leccionam oito ou mais turmas, algo como 173 alunos
por professor.
Volto ao que muitas vezes aqui
escrevi e tenho afirmado.
Quando em Maio de 2015 li no
Programa do PS que seria realizada “A aposta educativa numa escola inclusiva de
2ª geração que deverá intervir no âmbito da educação especial e da organização
dos apoios educativos às crianças e aos jovens que deles necessitam” tentei
perceber o que seria uma escola inclusiva de 2º geração. mas não consegui
entender.
Acompanhei com esperança e
expectativa a mais do que necessária, reafirmo, mudança legislativa
desencadeada no âmbito da Educação Inclusiva que se traduziu no DL 54/2018 ele
próprio associado a todo um quadro de mudança envolvendo, designadamente a
definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, das
Aprendizagens Essenciais ou o Decreto-Lei n.º 55/2018 relativamente ao
currículo. Todo este edifício potenciaria a inovação, a mudança de paradigma,
de vários paradigmas aliás, e alguns falavam mesmo da revolução que estava em
marcha.
Com confiança em algumas virtudes
do novo quadro aguardei expectante pela revelação da escola inclusiva de 2ª
geração. No entanto, para meu desconforto e cansaço, o que fui conhecendo e vai
sendo divulgado não me ajudou a perceber o que seria.
Continuo a verificar que tal como
aconteceu com o velho 319/91 (nesta altura eu já trabalhava neste universo há
15 anos), quer com o 3/2008 e agora com o 54/2018 existiam e existem
professores e escolas a realizar trabalhos notáveis que devem ser conhecidos e
reconhecidos.
A avaliação das crianças, a
definição dos apoios nas diferentes tipologias (já usadas como categorização
uma vez que a outra categorização já não existe), o funcionamento das Equipas,
os recursos disponíveis, a organização da intervenção, os papéis ou a
articulação dos intervenientes está a criar nas escolas inúmeros sobressaltos.
Recebo muitos testemunhos e dados mais robustos conhecidos não são
particularmente animadores. O relatório da IGEC é mais uma peça elucidativa.
A tudo isto não terá sido alheio
o discutível processo de operacionalização da mudança como também disse na
altura.
Como já escrevi há algum tempo, o
cansaço é muito embora sempre me anime quando conheço situações muito positivas
que felizmente acontecem todos os dias em tantas escolas.
Não quero fazer o papel do miúdo
que diz que o “rei vai nu”, primeiro porque já não tenho idade para isso e,
segundo, porque não seria de todo justo.
Também não gosto de me sentir o
Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica, até
porque, de novo, muita coisa de bom acontece, mas … a verdade é que julgo que
só mudar, ainda que num caminho ajustado não significa … mudar.
Não queria repetir, sei existem
muitas coisas muito bonitas, mas … nem tudo vai bem. Não torturem a realidade
que ela não vai confessar.
Aliás, devo acrescentar que não
acredito em escolas inclusivas. Não me batam, tento explicar.
Como disse Biesta, a história da
inclusão é a história da democracia. Olhando para os tempos actuais e apesar de
confiar no poder transformador da escola, a inevitável ligação entre a
sociedade e a escola e sociedade leva a que também nesta se reflictam estes
tempos e Portugal não é excepção.
Acredito sim em escolas e
professores, a maioria, que com visão, competência e esforço assentes em
princípios de educação inclusiva procuram diariamente combater os riscos e as
situações de exclusão que muitas crianças pelas mais variadas razões correm ou
vivem.
Quadros legislativos mais
adequados são essenciais ... mas não são mágicos por mais que num exercício de
"wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal. As
políticas públicas de educação exigem mais do que isto.
Daí este meu cansaço.