O último Expresso anuncia uma “revolução em curso nas universidades”. A revolução envolverá diferentes dimensões como currículos e carga horária, metodologias de trabalho ou flexibilidade. A peça é acompanhada por uma entrevista ao Ministro da tutela, Manuel Heitor.
Continuando ainda com ligação ao ensino superior também julgo que são
necessárias mudanças, nenhuma dúvida sobre isso, o desenvolvimento das sociedades assim o exige.
No entanto algo, quer na peça, quer na entrevista do
Ministro, algo me deixou alguma inquietação. Parece-me estar presente uma perspectiva
de uma Universidade representada como escola profissional para as empresas, um discurso
excessivamente centrado no mercado de trabalho e nas suas necessidades ainda que, obviamente, esta dimensão não possa ser esquecida.
Não é novo este discurso, nos últimos anos foi notória a
desvalorização das Ciências Sociais e Humanidades e é recorrentemente afirmada a sua afirmada “baixa
empregabilidade”. Parece insistir-se no equívoco de confundir desenvolvimento
tecnológico com desenvolvimento científico.
Recordo uma entrevista ao Público em 2014 de Devon Jensen,
professor universitário com trabalho desenvolvido sobre o papel das
universidades, a sua relação com os governos e o mundo económico e empresarial,
que esteve a Lisboa para uma conferência com a estimulante interrogação como
título, “Is Higher Education Merely a Servant of the Economy?”
Devon Jensen chamava a atenção para a volatilidade e mudança
no mercado de trabalho, bem como para o papel de liderança que as instituições
devem assumir na definição da sua oferta, ou seja e como já tenho referido, o
ensino superior não deve ignorar o mercado de trabalho, mas não pode andar “a
reboque” desse mercado que, aliás, muda a uma velocidade enorme.
Existem cursos que apesar de alguma menor empregabilidade se
inscrevem em áreas científicas de que não podemos prescindir com o fundamento
exclusivo no mercado de emprego, haverá sempre áreas ou nichos de formação e
investigação que são imprescindíveis num tecido universitário moderno e que são
essenciais para o progresso das sociedades.
Neste âmbito considero, por exemplo, a formação e
investigação em Ciências Sociais e Humanidades que sofreram forte desvalorização.
Também me parece de recordar discursos como o de Pires de
Lima, na altura Ministro da Economia, quando afirmava com preconceito e
ignorância que é preciso que a investigação (maioritariamente associada ao ensino
superior, em particular às universidades), "se traduza em produtos, marcas
e serviços que possam fazer a diferença no mercado e devolver à sociedade o
investimento que fizemos". No seu entendimento apenas esta deveria ser financiada.
Tal visão mostra mais uma vez a ignorância sobre a
ciência, o seu desenvolvimento e o papel fundamental no desenvolvimento das
sociedades, eliminando pura e simplesmente as ciências sociais e das
humanidades, evidentemente inúteis por não criarem "produtos, marcas e
serviços".
É evidente que a empregabilidade e a transferência de
conhecimentos para o tecido económico são dimensões a considerar na organização
da oferta formativa, mas existe um conjunto vasto e imprescindível de formação
universitária de que não podemos prescindir com o fundamento exclusivo no
mercado de emprego. Podemos dar como exemplo formações na área da filosofia ou
nichos de investigação que são imprescindíveis num tecido universitário e
social moderno e que cumpra o seu papel de construção e divulgação de
conhecimento e desenvolvimento em todas as áreas. Aliás, em matéria de formação
universitária continuo a defender que todas as áreas de formação deveriam
contemplar no seu desenho curricular áreas como Ética, Filosofia ou História
Contemporânea
As universidades não podem ser o departamento de formação
profissional das empresas.
Uma sociedade com gente formada e a investigar nestas áreas é
uma sociedade mais desenvolvida.
2 comentários:
Não irão descansar enquanto a academia não se encontrar a par da medíocre escola.
Precisam de consolidar o consentimento cognitivo para que o capitalismo medre.
Não fiquei muito tranquilo com o que li. Vamos ver, Rui.
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