sexta-feira, 30 de julho de 2021

CONTINGENTE PARA ALUNOS DAS ESCOLAS TEIP NO ACESSO AO SUPERIOR - TAKE 2

Foi aprovado e publicado em DR de 28/7 o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação 2021-2025 - Portugal contra o racismo.

Conforme já tinha sido anunciado quendo esteve em discussão pública, mas agora de forma concretizada, vão ser criados a partir de 2022/2023 contingentes extra no ensino superior e em cursos técnicos superiores profissionais destinados a alunos que frequentam escolas do programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), sediados em contextos sociais desfavorecidos. No primeiro ano serão 500 vagas aumentado nos anos seguintes.

Algumas notas que retomadas do que escrevi na altura em que a iniciativa estava em discussão pública.

Quem acompanha o que escrevo e a intervenção profissional conhece a minha posição de entender a qualificação como um bem de primeira necessidade e a ferramenta mais potente de promoção de equidade, de desenvolvimento pessoal, criação de projectos de vida bem-sucedidos e, naturalmente, do desenvolvimento das comunidades.

A decisão suscita-me algumas reservas, talvez nem sempre seja desejável escrever direito ainda que por linhas tortas pelo que de forma telegráfica algumas reflexões sem hierarquizar.

1 – O país educativo é, globalmente, um conjunto de TEIP, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e os restantes Territórios Educativos com a Intervenção Possível. Dito de outra forma, existirão muito poucas escolas ou agrupamentos sem alunos no escalão A da Acção Social Escolar que, certamente, estarão em circunstâncias tão desfavoráveis como os alunos dos TEIP.

2 – Os TEIP procuraram responder aos efeitos de políticas urbanísticas desastrosas, criadoras de guetos enormes que, naturalmente precisaram de equipamentos sociais, escolas por exemplo, com as consequências conhecidas de exclusão, insucesso, etc. Só políticas e investimentos estruturais de médio prazo com políticas públicas sectorais integradas ao nível da requalificação e reordenamento se podem combater a existência de guetos, a base de todos os problemas.

3 – É habitual ouvir-se que, recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. A título de exemplo, considerando dados de 2017/2018, frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior, sendo que apenas 14% das vagas do contingente especial para estes estudantes foram ocupadas. Donde, o caminho só por aqui é demasiado estreito.

4 – A decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Percursos com mais sucesso promovem expectativas mais elevadas de alunos e famílias, valorizam o conhecimento e a qualificação e, portanto, são mais potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

5 – Com maior frequência que noutros grupos demográficos, as famílias mais vulneráveis expressam também expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar. Donde, seria desejável trabalho de mediação com recursos competentes e adequados no trabalho com as famílias no sentido de reajustar expectativas e reconstruir a atribuição importância ao estudo e à qualificação. Só pessoas com fragilidades na saúde mental se “sentem bem” com o insucesso, nas mais das vezes aprendem a conviver com essa “fatalidade” o que lhes tranquiliza a forma como olham para si e para os seus filhos.

6 – As famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE. Donde, é crítica a questão dos apoios à frequência, tipologia, número de bolsas e critérios de acesso a essas bolsas, para lá da existência ou não de contingentes ou quotas.

7 – Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

8 – Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc.

9 – Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida. No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, serão avaliadas.

Era isto.


2 comentários:

Rui Ferreira disse...

"Era isto"... e muito bem.
Cumprimentos

Zé Morgado disse...

Olá Rui, obrigado. Boas férias.