sexta-feira, 9 de abril de 2021

CONTINGENTE PARA ALUNOS DAS ESCOLAS TEIP NO ACESSO AO SUPERIOR

 Entrou hoje em discussão pública o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação 2021-2025. Do Plano consta a criação de um contingente especial, quotas, no acesso ao ensino superior e a cursos técnicos superiores profissionais para alunos das escolas do Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária.

A proposta já terá merecido, sem surpresa, o apoio do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos e do Conselho de Reitores das Universidades.

Quem acompanha o que escrevo e a intervenção profissional conhece a minha posição de entender a qualificação como um bem de primeira necessidade e a ferramenta mais potente de promoção de equidade, de desenvolvimento pessoal, criação de projectos de vida bem-sucedidos e, naturalmente, do desenvolvimento das comunidades.

A proposta em discussão levanta várias questões pelo que de forma telegráfica algumas notas sem hierarquizar.

1 – O país educativo é, globalmente, um conjunto de TEIP, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e os restantes Territórios Educativos com a Intervenção Possível. Dito de outra forma, existirão muito poucas escolas ou agrupamentos sem alunos no escalão A da Acção Social Escolar que, certamente, estarão em circunstâncias tão desfavoráveis como os alunos dos TEIP.

2 – Os TEIP procuraram responder aos efeitos de políticas urbanísticas desastrosas, criadoras de guetos enormes que, naturalmente precisaram de equipamentos sociais, escolas por exemplo, com as consequências conhecidas de exclusão, insucesso, etc. Só políticas e investimentos estruturais de médio prazo com políticas publicas sectorais integradas ao nível da requalificação e reordenamento se podem combater a existência de guetos, a base de todos os problemas.

3 – É habitual ouvir-se que, recorrer a quotas ou contingentes especiais para minimizar exclusão, não sendo o ideal, pode ajudar a minimizar os problemas. A título de exemplo, considerando dados de 2017/2018, frequentaram o ensino superior 1644 alunos com necessidades especiais, 0,5% do total dos matriculados no ensino superior, sendo que apenas 14% das vagas do contingente especial para estes estudantes foram ocupadas. Donde, o caminho só por aqui é demasiado estreito.

4 – A decisão de continuar para o ensino superior é construída durante todo o trajecto do básico e secundário. Percursos com mais sucesso são potenciadores de expectativas mais elevadas, de valorização do conhecimento e da qualificação e, portanto, potenciadores da intenção de continuar a estudar. Donde, é imprescindível um forte investimento em recursos e dispositivos de apoio que que sustentem mais sucesso para todos os alunos de todas as escolas.

5 – Com maior frequência que noutros grupos demográficos, as famílias mais vulneráveis expressam também expectativas mais baixas ou nulas sobre o sucesso escolar dos seus filhos e sobre a importância de estudar. Donde, seria desejável trabalho de mediação com recursos competentes e adequados no trabalho com as famílias no sentido de reajustar expectativas e reconstruir a atribuição importância ao estudo e à qualificação. Só pessoas com fragilidades na saúde mental se “sentem bem” com o insucesso, nas mais das vezes aprendem a conviver com essa “fatalidade” o que lhes tranquiliza a forma como olham para si e para os seus filhos.

6 – As famílias portuguesas enfrentam um dos mais caros sistemas de ensino superior da UE e da OCDE. Donde, é crítica a questão dos apoios à frequência, tipologia, número de bolsas e critérios de acesso a essas bolsas, para lá da existência ou não de contingentes ou quotas.

7 – Embora já seja feito em muitas escolas, sobretudo no final e durante o pós-básico, seria desejável que os dispositivos de orientação vocacional tivessem os recursos necessários para de forma alargada providenciarem informação clara sobre a natureza da oferta formativa, das suas características e solicitações, a que áreas de desempenho permitem aceder no mundo profissional, etc. Por outro lado, esse apoio também envolve o trabalho com os alunos no sentido de ajudar a um processo de tomada de decisão que seja base para procurar qualificação, de natureza diversa, no ensino superior.

8 – Já no ensino superior e para todos os alunos é importante que existam dispositivos de apoio institucionais e também formas de mentoria desenvolvidas já por alunos a frequentar os estabelecimentos que contribuam para melhores e mais rápidos processos de adaptação a novas rotinas, métodos de trabalho, dificuldades de adaptação, etc.

9 – Uma nota final para o óbvio, as mudanças mais estruturais requerem investimentos e os recursos são finitos, nenhuma dúvida. No entanto, as políticas públicas exigem opções e, também por isso, serão avaliadas.

Era isto.

4 comentários:

Rui Ferreira disse...

Caro Zé Morgado,
As escolas TEIP são uma invenção governamental cujo objetivo passa por manter as denominadas escolas difíceis, inseridas em comunidades chamadas de risco, onde se sobressai os elevados níveis de despesa, de indisciplina, de abandono e de insucesso, rácios professor/alunos de exceção e um número considerável de assessores da direção e técnicos da área social (tachos).
Num estudo recente (https://doi.org/10.1590/S0104-40362018002601036) sobre os programas de educação compensatória, no caso português o TEIP, os resultados sugerem a ausência de impacto do programa TEIP na melhoria dos resultados escolares. Consequentemente, discute-se a eficácia da transferência de recursos materiais e humanos para estas escolas, especialmente considerando que a sua integração em programas de educação compensatória pode gerar fenómenos de estigmatização.
Para Powers, Fischman e Berliner (2016) a Escola não pode ser o equilibrador das desigualdades produzidas pela sociedade: as desigualdades sociais devem ser enfrentadas pelos políticos, ao invés de se refugiarem em medidas de caráter paliativo ou compensatório.
Cumprimentos.

Zé Morgado disse...

Justamente, Rui. Por isso sublinho a necessidade de respostas estruturais e integradas. Intervir, melhor ou pior, apenas a jusante tem um potencial de sucesso bastante mais baixo.
Cumprimentos

Rui Ferreira disse...

A boa literatura dá nomes a tudo aquilo que vivencio há 12 anos a esta parte num agrupamento TEIP. Hoje li três artigos e destaco este excerto de um deles:
À semelhança das ZEP, os TEIP deveriam pressupor a transformação dos territórios, das comunidades locais e do próprio funcionamento do sistema educativo, podendo ser encarados como “laboratórios” que contribuiriam para a mudança social através da educação.
No entanto, a análise dos princípios políticos que, desde o início, regularam os TEIP, demonstra que este dispositivo político continha, afinal, um propósito mais pacificador que democratizador dos públicos difíceis. Os seus pressupostos assentavam numa intervenção educativa inclusiva em contextos marcados pela exclusão social mas, em termos práticos, muito poucos agrupamentos de escolas desenvolveram, até à data, uma intervenção consubstanciada no fortalecimento da relação com as famílias e restantes parceiros locais.
Origem: https://www.researchgate.net/publication/314520173

Zé Morgado disse...

Os dados conhecidos sugerem níveis de mudança pouco significativos e ao nível estrutural parecem inexistentes. Não está em causa o esforço realizado, mas modelo, objectivos e estratégias.