sábado, 24 de abril de 2021

O TEMPO DO SOBREIRO

 

Não tardar e chegam os dias mais quentes a partir de Maio. O ano tem sido bom de água aqui pelo Alentejo, mas ainda assim chegará o tempo da rega.

Hoje começámos a prepara as caldeiras das árvores que terão de regadas.

Para além das árvores de fruto, resolvemos também preparar caldeiras de meia dúzia de sobreiros ainda pequenos. Foram plantados há poucos anos por mim e pelo Mestre Marrafa, mas agora também temos a ajuda do nosso novo companheiro aqui no Monte, o Valter, outro alentejano apaixonado pelo campo. Os oitenta anos do Mestra Marrafa já vão pesando e como ele não quer parar, vamos tentando tirar-lhe a lida mais pesada.

Enquanto fazíamos as caldeiras pensava no tempo e na vida, a nossa e a dos sobreiros, que com as oliveiras acho as árvores mais bonitas.

O sobreiro é uma árvore lenta e calma como o Alentejo. Dá a primeira cortiça aos 25 anos e tem uma expectativa de vida entre os 170 e os 200, podendo chegar aos trezentos anos, ainda assim um jovem ao pé de algumas oliveiras que cá temos.

É uma dimensão de tempo que não tem nada a ver com os tempos de hoje.

Os tempos actuais são os tempos da urgência, os tempos da pressa, os tempos do para já, ou mesmo para ontem.

São os tempos dos resultados, resultados imediatos. São tempos sem espera, só espera quem não pode comprar o tempo.

Os tempos de hoje fazem do tempo um bem que ninguém tem, antes tínhamos tempo, agora temos pressa. Os tempos de hoje não são os dias, são os segundos. Por tudo isto, eu, que já deixei os sessenta para trás há algum tempo, dei por mim a rir-me desta tarefa, cuidar de sobreiros pequenos.

Um dia destes, está decidido, vou sentar-me perto deles com o Mestre Marrafa a vê-los crescer, pelo menos, pelo menos, até à primeira cortiça.

São também assim os dias do Alentejo.

1 comentário:

Alexandre disse...

Boa tarde, Professor José Morgado!
Um texto sublime sobre esse bem cada vez mais precioso que é o tempo.
Por esses lados,onde crescem os sobreiros, o ritmo ainda consegue ser marcado por andamentos bem naturais e saudáveis.
Um abraço
desde o meio do atlântico, onde as ondas nem sempre têm a mesma cadência. É verdade que são sempre belas, mesmo quando a sua ferocidade nos assusta. Mas até aí elas conseguem encantar!

Alexandre