Gostei de ler a entrevista ao Professor Carlos Neto que se encontra no I e que quase se torna uma história de vida.
O Professor Caros Neto é uma
referência no mundo da infância desde há muitos anos e embora nem sempre
concorde totalmente com ele é sempre importante escutá-lo e algumas vezes nos
cruzámos na lida profissional.
A sua luta em defesa do brincar, em
particular ao ar livre, é uma referência para quem se preocupa com o bem-estar
dos mais novos.
Com as alterações nos estilos de vida e as opções em matéria de organização do trabalho, muitas crianças têm a vida
preenchida por um tempo significativo de estadia na escola e muitos pais recorrem ainda ao envolvimento dos filhos em múltiplas actividades
transformando-as numa espécie de crianças-agenda. Todas estas actividades, a
oferta é variadíssima, são percebidas como imprescindíveis à excelência, aliás, muitas crianças são educadas (pressionadas) para a excelência. Promovem níveis "fantásticos" de
desenvolvimento intelectual e da linguagem, desenvolvimento motor, maturidade
emocional, criatividade, interacção social, autonomia e certamente de mais
alguns aspectos que agora não recordo. Assim, as crianças e adolescentes estão
sempre envolvidos em qualquer actividade, a quase todas as horas pois delas se
espera não menos que a excelência.
Nada disto esquece a importância
que, de facto, podem ter algumas actividades, mas apenas sublinhar alguns
riscos no excesso.
Os pais, alguns pais, seduzidos
pela sofisticação desta oferta, pressionados por estilos de vida que não
conseguem ou podem ajustar e com a culpa que carregam pela falta de tempo para
os filhos e sem vislumbrar alternativas aceitam que os trabalhos dos miúdos se
desenvolvam para além do que seria desejável, eu diria saudável.
Somos dos países da Europa em que
adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente,
por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países
têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim,
poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no
exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do
Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.
Muitas experiências, incluindo em
Portugal, sugerem múltiplos benefícios para as crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e
competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a
autonomia, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento
crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a
qualquer actividade.
Embora consciente das questões
como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter
mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro
comercial, automóvel ou ecrã. O Professor Carlos Neto tem sido uma voz que não
desiste na defesa destas opções e dos riscos graves da baixa literacia motora
para o desenvolvimento saudável das crianças.
Creio que o eixo central da acção
educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e
a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os
desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento, de literacia motora também, e promoção dessa autonomia.
Importa sublinhar a necessidade
de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as
crianças também “aprendem” a lidar com o risco.
Talvez, devagarinho e com os
perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo
que por pouco tempo e não todos os dias.
É, pois, importante que todos os
que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de
orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line”
para a sua intervenção a promoção do brincar. E a actividade de brincar na
infância não se esgota, longe disso, numa disciplina curricular.
Os mais novos vão gostar e
faz-lhes bem.
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