Pode ser que seja desta. Depois de ter chumbado em 2019 uma iniciativa do BE no mesmo sentido, o PS apresentou agora uma proposta parlamentar no sentido de reconhecer a crianças e jovens o estatuto de vítimas em situações de exposição a violência doméstica mesmo quando não sejam directamente atingidos. A proposta do PS junta-se a uma do PSD também recentemente apresentada e que difere pelo não estabelecimento de limite de idade.
Acresce que será brevemente discutida em plenário a petição
pública subscrita por mais de 50
mil cidadãos que também defende a aprovação do estatuto de vítima para crianças
envolvidas em contextos de violência doméstica.
É de facto um problema relevante. Em Janeiro o Governo
lançou um concurso com o objectivo de reforçar o apoio psicológico e
psicoterapêutico para crianças e jovens vítimas de violência doméstica
atendidas e/ou acolhidas na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência
Doméstica.
Segundo informação divulgada na altura estava prevista uma
verba de 2,78 milhões de euros destinada a colmatar as “necessidades de
serviços de apoio especializado, privilegiando abordagens psicoterapêuticas
focadas no trauma, com a designação de Respostas de Apoio Psicológico (RAP)
para crianças e jovens vítimas de violência doméstica”.
Nesta iniciativa estão a colaborar a Comissão para a
Cidadania e a Igualdade de Género e a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) através
de um protocolo de colaboração na resposta a construir.
Como disse aquando da divulgação parece-me uma boa notícia,
sobretudo num tempo em que escasseiam. Esperemos, no entanto, que se concretize
e não seja algo que fica por assim mesmo. Não estranharei, mas era bom que
avançasse tal como a aprovação do estatuto de vítima para as crianças e jovens
envolvidos.
Importa ainda recordar que entidades como o Instituto de
Apoio à Criança e a Ordem dos Advogados defendem a necessidade de maior protecção
para crianças em contextos de violência doméstica.
O reforço do dispositivo de apoio anunciado seria, do meu
ponto de vista mais eficaz, com outro enquadramento legal mais amigável para as
crianças.
De facto, parece importante a necessidade de protecção
nestes casos considerando o número de situações e os efeitos destas vivências
na vida das crianças e adolescentes.
Como indicador recordo que segundo do Relatório Anual de
Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, a exposição de crianças e jovens a
episódios de violência doméstica foi o tipo de risco mais comunicado, 28,9%
tendo ultrapassado as comunicações por negligência, 28,6%. Tal facto, reforça a
a necessidade de aumentar o quadro de protecção.
Para além de sublinhar os danos potenciais que esta
exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a atenção para um outro
potencial efeito nas crianças que assistem a episódios, por vezes violentos, de
violência doméstica, os modelos de relação pessoal que são interiorizados.
Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das queixas de
violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite pensar em
crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos casos participados de
violência doméstica estima-se que cerca de metade serão testemunhados por
crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações não reportadas,
pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também vítimas, serão em
número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio "Filho és, pai
serás", ou seja, num processo de modelagem social muitas crianças tenderão
a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os comportamentos a que
assistiram e que, tal como podem produzir efeitos traumáticos, poderão adquirir
aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de normalidade.
Não é certamente por acaso que estudos recentes em Portugal
evidenciaram números elevadíssimos de violência em casais de jovens namorados
universitários, uma população já com níveis de qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo de contrariar uma espécie
de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem à violência doméstica,
replicam a violência, a sociedade é violenta, quando crescem são violentos em
casa, e assim sucessivamente, importa que os processos educativos e de
qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro de valores.
Não é nada de novo, a afirmação desta necessidade.
A questão é que o próprio discurso social e político sobre a
escola e sobre os professores não me parece contribuir para que se possa
encarar a escola com a confiança e recursos necessários a que possa contribuir para quebrar o círculo vicioso do processo de modelagem social
envolvido.
Acresce que a intervenção junto das famílias e a tentativa
de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência doméstica por exemplo, não
dispõe dos meios e recursos suficientes.
Esperemos que as iniciativas divulgadas, sejam mais do que promessa
e aumentem significativamente os níveis de protecção e apoio a crianças e
jovens.
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