É hoje discutida na Assembleia da República uma Petição do
Sindicato Independente de Professores e Educadores para que as agressões a
professores em contexto escolar sejam consideradas crime público e, portanto,
não carecer de queixa para que desencadeiem os adequados procedimentos de
investigação. Não é uma ideia nova, recordo que já em 2002 tinha sido defendida pelo Conselho Nacional de Educação. Estarão ainda em discussão sobre a mesma matéria um projecto
de lei do CDS-PP e uma recomendação do Bloco de Esquerda.
As notícias sobre agressões a professores, cometidas por
alunos ou encarregados de educação, continuam com demasiada frequência embora
nem todos os episódios sejam divulgados. Aliás, são conhecidos casos de
direcções que desincentivam as queixas dado o “incómodo” e “publicidade
negativa” que trará a divulgação.
Os testemunhos de professores vitimizados na peça do Público
são perturbadores e exigem atenção e intervenção.
Deste ponto de vista a consideração de comportamentos ofensivos dirigidos a professores em crime público ou o agravamento de penas podem ser um factor de protecção embora me pareça necessária uma
reflexão um pouco mais alargada.
Esta matéria, embora seja objecto de rápidos discursos de
natureza populista e securitária, parece-me complexa e de análise pouco
compatível com um espaço desta natureza. Apenas umas notas no sentido em muitas
vezes aqui tenho escrito.
Começo por uma breve reflexão em torno de três eixos: a
imagem social dos professores, a mudança na percepção social dos traços de
autoridade e o sentimento de impunidade que me parecem fortemente ligados a
este fenómeno.
Já aqui tenho referido que os ataques, intencionais ou não,
à imagem dos professores, incluindo parte do discurso de gente dentro do
universo da educação que tem, evidentemente, responsabilidades acrescidas e
também o discurso que muitos opinadores profissionais, mais ou menos ignorantes
ou com agendas implícitas, produzem sobre os professores e a escola,
contribuíram para alterações significativas da percepção social de autoridade
dos professores, fragilizando-a seriamente aos olhos da comunidade educativa,
sobretudo, alunos e pais. Os últimos tempos têm sido, aliás, elucidativos.
Quando o ME refere a existência de “casos pontuais” colabora na desvalorização
destes episódios, um já seria grave.
Esta fragilização tem, do meu ponto de vista, graves e
óbvias consequências, na relação dos professores com alunos e pais, alguns,
naturalmente.
Em segundo lugar, tem vindo a mudar significativamente a
percepção social do que poderemos chamar de traços de autoridade. Os
professores, entre outras profissões, polícias ou médicos, por exemplo, eram
percebidos, só pela sua condição de professores, como fontes de autoridade. Tal
processo alterou-se, o facto de se ser professor, já não confere, só por si,
“autoridade” que iniba a utilização de comportamentos de desrespeito ou de
agressão. O mesmo se passa, como referi, com outras profissões em que também,
por razões deste tipo, aumentam as agressões a profissionais, pessoal da saúde
ou forças de segurança, por exemplo.
Finalmente, importa considerar, creio, o sentimento
instalado em Portugal de que não acontece nada, faça-se o que se fizer. Este
sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e camadas sociais é devastador
do ponto de vista de regulação dos comportamentos, ou seja, podemos fazer
qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas
sobretudo a grandes, o que aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, creio que, independente de
dispositivos de formação e apoio, com impacto quer preventivo, quer na actuação
em caso de conflito, obviamente úteis, o caminho essencial é a revalorização da
função docente tarefa que exige o envolvimento de toda a comunidade e a
retirada da educação da agenda da partidocracia para a recolocar como
prioridade na agenda política.
Definitivamente, a valorização social e profissional dos
professores, em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um
sistema educativo com mais qualidade sendo esta valorização uma das dimensões
identificadas nos sistemas educativos mais bem considerados.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em
boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de
individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores
evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria
desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam,
muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves,
por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e
responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda
que, por desatenção, incompetência ou negligência da tutela, de direcções de
escolas e agrupamentos, não se vai mais longe na definição de dispositivos de
apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois
professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o
trabalho com os seus alunos, não se sentindo entregues a si próprios e com
receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em
que um docente se pode sentir.
É ainda fundamental que se agilizem, ganhem eficácia e sejam
divulgados os processos de avaliação ou julgamento, e a punição e
responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater,
justamente, a ideia de impunidade.
Neste quadro, a definição de crime público para as ofensas a professores, o agravamento de penas ou a isenção de custas judiciais para os queixosos, podendo ser factores de protecção, não serão, certamente e só por si, a solução.