Passou mais um ano e a agenda das consciências determina que hoje se cumpra o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Como sempre, umas notas que de forma substantiva não se desactualizam, lamentavelmente.
Como é hábito nestes dias
surgirão peças na comunicação social, ouvir-se-á alguma da retórica política
aplicável à matéria em apreço com referência a iniciativas ou intenções,
provavelmente teremos até alguns testemunhos, positivos e negativos, de pessoas
com deficiência ou de entidades que "operam" nesta área. Aliás, a
inclusão ou a promoção de um qualquer entendimento de inclusão constitui-se
como um nicho de mercado promissor em diversas vertentes.
Assistiremos a alguns eventos das
instituições e movimentos que operam nesta área, referir-se-ão alguns avanços
de natureza tecnológica, como se sabe as tecnologias mudam mais depressa que as
pessoas e amanhã o mundo volta-se para outra questão que a agenda das
consciências determine. Nos dias que correm será ainda mais rápido.
Em primeiro lugar deve dizer-se
que, como acontece em outras áreas, a legislação portuguesa é globalmente
positiva, embora a sua operacionalização mereça quase sempre um estudo de caso.
Veja-se o que passa no mundo da chamada “educação inclusiva” e o arranque dos
Centros de Apoio à Vida Independente. Na sua definição é promotora dos direitos
das pessoas, mas a sua falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada
na tremenda dificuldade que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia.
No entanto e como exemplo, é
notória a falha na fiscalização e cumprimento das disposições legais relativas
às questões das acessibilidades e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e
acessibilidade em geral. As normas de construção não são respeitadas,
mantendo-se em edifícios novos a ausência de rampas ou a sua existência com
desníveis superiores ao estabelecido, constituindo, assim, um risco sério de
queda.
O resultado é a existência de
muitos serviços públicos e outro tipo de equipamentos de prestação de serviços
com barreiras arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com
deficiência só podem aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com
dificuldade.
Os transportes públicos de
diferente natureza também colocam enormes problemas na acessibilidade por parte
de pessoas com mobilidade reduzida.
Para além deste quadro,
suficientemente complicado, ainda há que contar com a prestimosa colaboração de
muitos de nós que estacionamos o belo carrinho em cima dos passeios,
complicando ou proibindo, naturalmente, a circulação de cadeiras de rodas. Os
passeios, nem sempre com as medidas determinadas por lei, são, por vezes e
quase na totalidade, ocupados com esplanadas que, claro, são só mais uma
dificuldade para muita gente.
A vida de muitas pessoas com
deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes
intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que
a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não
têm a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência
ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.
Na verdade, boa parte dessas
dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por
exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de
todas as pessoas.
Também para as crianças com
necessidades especiais e respectivas famílias a vida é muito complicada face à
qualidade e acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários
apesar do empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham
nestas áreas. Os sobressaltos decorrentes de alterações legislativas são
consideráveis apesar da necessidade de alteração.
Como é evidente, existem muitas
outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência,
designadamente apoios sociais, qualificação profissional e emprego, em que a
vulnerabilidade e o risco de exclusão são elevados traduzido em taxas de
desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com
a população sem deficiência.
Uma referência ainda ao que deve
ser um princípio não negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das
comunidades.
É verdade que a questão da inclusão, em particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão, antes pelo contrário. Apesar do bom trabalho que existe e deve ser suublinhado, por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com inclusão. Aliás, até a exclusão de muitos alunos da sala de aula e das actividades comuns é frequentemente realizada … em nome da inclusão. E não acontece nada. A situação dura e já longa que atravessamos veio agudizar a situação.
O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".
A inclusão assenta em cinco
dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que
se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar
(envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender
(tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser
reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois
princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.
Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos, todos os anos, todos os dias.
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